Crise econômica atrai atenção para o veganismo na Argentina

“Mudanças no estilo de vida estão influenciando as escolhas dos jovens sobre o que comer” (Foto: Matias Lynch/Shutterstock)

O relatório mais recente da Câmara de Comércio da Argentina para Carne e Derivados revelou que o consumo de produtos à base de carne no país atingiu os valores mais baixos dos últimos 50 anos.

Quando Manuel Martí parou de consumir produtos de origem animal, em 1974, os seus conhecidos com cerca de 18 anos pensaram que ele estava louco. Segundo a revista OZY, que publicou um artigo sobre o assunto no último dia 2, à época o veganismo era praticamente um conceito estrangeiro na Argentina obcecada por carne.

A carne, principalmente o bife, e os churrascos a carvão são parte da cultura culinária do país. A maioria dos pratos que compõem a dieta típica da Argentina contém algum produto de origem animal. Em 2016, o país sul-americano foi o segundo maior consumidor per capita de carne bovina do mundo, depois do Uruguai.

No entanto, em julho de 2019, o termo “vegan” apareceu na maioria das primeiras páginas dos jornais argentinos quando um grupo de jovens manifestantes interrompeu o rodeio da Sociedade Rural Argentina, empunhando cartazes e exigindo a “libertação animal”, enquanto os participantes, a cavalo, tentavam dispersá-los.

Para os ativistas veganos, esse tipo de protesto não é incomum, mesmo em países onde o consumo de carne é elevado e nos quais recebem pouco apoio. Na Argentina, porém, a atenção que os manifestantes conseguiram originou uma mudança silenciosa, mas dramática, que agora está em andamento.

De acordo com o estudo do Instituto para a Promoção da Carne, a realidade quanto ao consumo de produtos de origem animal no país está mudando.

Martí, agora com 63 anos e chefe da União Vegetariana Argentina, lembrou que, em 2000, conhecia apenas um outro vegano. Uma pesquisa encomendada pela organização que lidera descobriu que, atualmente, 9% da população do país é vegetariana ou vegana.

A OZY aponta que encontrar um restaurante vegetariano ou vegano já não é um desafio, pelo menos nas principais cidades. Só em Buenos Aires existem pelo menos 70 restaurantes veganos. As paredes da capital estão repletas de mensagens sobre a proteção de animais e o VeganFest está se tornando cada vez mais popular.

Além disso, muitas celebridades locais estão deixando de lado produtos de origem animal. O futebolista Lionel Messi, por exemplo, já explicou que também se sente melhor seguindo uma dieta à base de plantas.

As preocupações com a saúde e as mudanças climáticas – que também estão ajudando a impulsionar o veganismo em todo o mundo – estão presentes na Argentina. Mas há um fator adicional que afasta as pessoas da carne e dos produtos de origem animal: a crise econômica do país.

“Os preços subiram muito. Os churrascos de domingo não são como costumavam ser. É muito caro”, disse Marina Otamendi, de Buenos Aires. “Comemos carne com muito menos frequência e a substituímos por outras coisas, inclusive feijão”, contou.

Os preços da carne, dos produtos lácteos e dos ovos foram os que mais subiram entre produtos alimentícios no ano passado, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos, tornando estes itens demasiado caros para muitas famílias.

Adrian Bifaretti, diretor de marketing do Instituto de Promoção da Carne Bovina, reconheceu que a crise econômica é uma das razões para a queda no consumo de produtos de origem animal, mas não a única.

“Mudanças no estilo de vida estão influenciando as escolhas dos jovens sobre o que comer. Estes estão agora mais interessados ​​no que comem, na produção, na qualidade e no meio ambiente”, avaliou.

No outro extremo do espectro, os ativistas veganos estão recorrendo à consciência da população. “Queremos que as pessoas questionem o que está por trás do hambúrguer de carne que estão a pensar em comer: os maus-tratos a animais, aos trabalhadores, todas essas injustiças. Somos todos animais”, declarou Erika De Simoni, ativista da Voicot, a organização por trás dos cartazes presentes em cidades como Buenos Aires.

Erika De Simoni, que mora numa pequena cidade a uma hora de carro de Buenos Aires e que se tornou vegana há oito anos, é otimista sobre o futuro. “Estamos vendo pessoas produzindo e vendendo produtos veganos, alimentos, roupas, todo tipo de coisa. Precisamos superar a ideia de que a Argentina é apenas carne”, defendeu.

Para Manuel Martí, combater a discriminação é sua próxima batalha. A organização que dirige está a trabalhar com o Instituto Nacional Contra Discriminação, Xenofobia e Racismo (INADI) para aprovar uma nova lei para proteger veganos, especialmente crianças. “Há mais veganos na Argentina do que membros de muitos partidos políticos. Se percebermos isso, podemos fazer muitas mudanças necessárias”, concluiu.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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