Deixe as asas com os animais

Pimturas: Tim Oliphant/Dana Ellyn

Pediu suco de laranja e sentou no fundo de uma lanchonete. Não quis comer nada. Na mesa ao lado notou uma criança devorando asinhas de frango. Percebeu que ela não olhava para o que comia – só mastigava e engolia.

Lembrou de sua infância, quando comia porções de asinhas de frango com a família. Também não refletia a respeito – só mastigava e engolia. Numa idade que não determinaria hoje começou a achar intrigante a clara identificação – “asinhas de frango”, “asinhas de frango”, “asinhas de frango” em qualquer lugar.

“Pelo que sei, e por onde viajei, desconheço outro termo. Isso significa que é algo bem claro, a asa dum animal. Mas por que mesmo sendo tão claro há pouca reflexão sobre tal obviedade?”

Há muito compreendeu como mera consequência de três associações – despersonalização, repetição e banalização. “Não há estranheza se é cultural, não importando precedência. Mas deveria a precedência ser irrelevante e inconsiderada?”

Imaginou qual seria a reação daquela criança se fosse até ela e dissesse que aquela asinha é parte essencial do corpo de uma ave – e que ela a movimenta também para comunicar-se e manifestar estados, vontades e liberdades.

“Não conheci criança que não admirasse algum tipo de ave. Há muitas aves pelo mundo afora, e mesmo crianças que não seriam capazes de citar uma espécie manifestariam simpatia em relação à alguma por meio duma intrigante descrição que prescinde de identificação.”

Rememorou outra vez a infância, quando admirava as asas dos animais – não somente porque muitos que as têm são habilidosos, voam para tão longe e deixam o céu mais bonito, mas pela forma como prezam por suas asas e cuidam delas pelo que são – uma parte essencial de seus corpos.

“Neste estranho mundo não apenas ignoramos o valor imaterial das asas de tantos animais como impedimos que as usem como gostariam. Então suas vidas se vão por período menor que uma estação. E suas asas? Mastigadas e engolidas como se não tivessem se desenvolvido a partir de tantas vidas.”

A criança continuava comendo. Já lá fora, ele viu um frango correndo sem asas. “E neste mundo ainda não as encontrará…”

Gosta do trabalho da Vegazeta? Colabore realizando uma doação de qualquer valor clicando no botão abaixo: 




Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *