Matando bezerro

Da vaca, mais nada.” Queria sair. “Procurar a mãe?” Quem sabe (Acervo: Where Pigs Fly)

Colocaram mais um bezerro na gaiola do galpão. Cedinho alguém apareceu com porção de leite artificial. Tinha recebido colostro um dia antes – diziam que era suficiente. “Da vaca, mais nada.” Queria sair. “Procurar a mãe?” Quem sabe. Bateu tanto contra a gaiola que formou ferida bem feia no couro da cabeça.

“Esse menino é arredio.” Mandaram chamar Doutor Rubens. Avaliou e sentenciou. “A genética não é boa pra touro reprodutor.” “Não espere muita coisa. Na verdade, não espere nada.” Neném encostou. “Pode abrir a gaiola.”

“Não use pistola porque sai mais caro. Também não quero saber de dois por um. Não posso gastar.” Bezerro recuou até o fundo; se acabrunhou, com as patas moles viradas pra dentro – tocando barriga. Neném só puxou e golpeou – certeiro no pescoço – forma de meia lua. Bem afiada.

Mais parecia pedaço de coração partido. Criança, adulto – morte e método pra todos. Sangue da criança vertia, corria pelo chão. Não valia, se debatia. Especialidade de Neném era matar neném. Preservou expressão de horror – olhos mortificados e agigantados. “Isso é diferente. Não é bom. Dinheiro não é muito, mas ajuda a não tomar muitas ideias.”

Arrastaram pelas patas – mais alguns metros, abrindo caminho na terra arenosa marcada com sangue. “É um carimbo sujo.” “Vamos logo com isso.” Neném deitou neném na vala. Não era o primeiro do dia. Mais um. “Mais um dia de vida, mais um dia de prejuízo”, concluíam.

Montinhos de terra se amontoando sobre corpos, que desapareciam dos olhos. Todo mundo saiu. Neném também. Voltou sozinho. Colocou cruz de graveto sobre a cova das crianças. Amarrou com barbante. “Que isso? Tá ficando mole, homem? É pra incinerar, descartar pra lá.” Deitou cruz e velou com terra. Roçou a faca na barra da calça e retornou por onde veio. Sem palavra.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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