Morrissey: “A liberdade não é apenas para os seres humanos”

“Eu gostaria de perguntar a quem come carne por que eles acreditam que os animais não podem ter nenhum direito de viver suas vidas” (Fotos: Taylor Hill/Getty/The Humane League)

Um dos artistas mais controversos em campanha contra o consumo de carne, Morrissey começou a criticar a exploração de animais na década de 1980. Tudo começou em outubro de 1984, quando o vocalista e letrista da banda britânica de rock The Smiths escreveu, em parceria com o guitarrista e compositor Johnny Marr, a música “Meat is Murder”, ou seja, “Carne é Assassinato”, que faz parte do álbum homônimo lançado em 11 de fevereiro de 1985.

O disco foi destaque nas paradas do Reino Unido e ajudou a dar mais visibilidade ao vegetarianismo e a fazer com que os britânicos se questionassem sobre as implicações do consumo de carne. “Assim que decidimos que ‘Meat is Murder’ seria a faixa-título, as manchetes dos jornais britânicos nos deram ampla atenção. O grande problema é que a música não ganhou qualquer espaço nos programas de rádio. O álbum entrou nas paradas, mas a nossa música nunca foi tocada”, disse Morrissey em entrevista à Organização Pessoas Pelo Tratamento Ético dos Animais (PETA).

Uma vez, quando o The Smiths estava tocando “Meat is Murder”, em Stokes, na Inglaterra, alguém da plateia arremessou salsichas em direção ao palco. Elas bateram no rosto de Morrissey e uma entrou em sua boca. Apesar disso, o cantor britânico garante que já recebeu muitos e-mails de pessoas de todas as partes do mundo declarando que estão felizes por haver alguém que diz exatamente o que pensam.

“Recebemos mensagens principalmente de fãs dos Estados Unidos agradecendo e dizendo que se tornaram vegetarianos. Isso é maravilhoso! Quando tocamos em Madrid, fizemos um concerto ao ar livre para 350 mil pessoas, e foi televisionado para toda a Espanha. Durante ‘Meat is Murder’, eles traduziram a letra. Foi incrível, e na noite seguinte, tocamos em Barcelona e fizeram a mesma coisa”, relatou.

Contra a venda de carne em seus shows  

O disco “Meat is Murder” também teve boa repercussão no Canadá, onde ocupou a 40ª posição entre os melhores discos do ano, e nos Estados Unidos ficou em 110º lugar. Quatro dos álbuns do The Smiths estão entre os 500 melhores de todos os tempos, segundo a revista Rolling Stone. E toda essa popularidade foi usada como uma oportunidade para divulgar o vegetarianismo.

Embora o The Smiths tenha durado poucos anos (1982-1987), Morrissey fez da sua carreira solo um exemplo de de sucesso no mundo da música. Suas composições estiveram dez vezes no Top 10 da UK Singles Chart. Como alguém que diz levar muito a sério as próprias letras, ele costuma pedir que os integrantes de sua banda não tirem fotos comendo carne. Além disso, sempre exigiu que os organizadores permitissem somente a comercialização de comida vegetariana nos locais de seus shows.

Em 2007, foi realizado no Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, África do Sul, Japão, Alemanha, Brasil, China, Itália e Antártica uma série de apresentações que fizeram parte do “Live Earth”. O objetivo do evento criado por Al Gore e Kevin Wall, era conscientizar as pessoas sobre o aquecimento global e as crises climáticas. No local, eles comercializavam principalmente carnes e laticínios. Incomodado ao saber disso, Morrissey não quis participar do evento. O mesmo aconteceu na Islândia.

Em 2009, o músico britânico abandou o palco do festival Coachella, no interior da Califórnia, nos EUA, justificando que o cheiro de animais sendo queimados estava o deixando doente. “Posso sentir o cheiro de carne queimando…”, reclamou. Em Manchester, onde surgiu a banda The Smiths, seu pedido para não fazerem isso em seus shows jamais foi ignorado.

“A liberdade não é apenas para os seres humanos”

Em 2013, o cantor cancelou sua participação no “Jimmy Kimmel Live!” depois de ficar sabendo que a equipe do reality Show “Duck Dinasty” também participaria. O programa era sobre a Família Robertson que enriqueceu criando produtos para caçadores de patos. “No que diz respeito à minha reputação, não posso correr o risco de estar ao lado de pessoas que, de fato, são como assassinos em série de animais”, declarou.

Em 2014, durante show em Denver, no Colorado, também nos EUA, Morrissey falou ao público que a liberdade não é apenas para os seres humanos, mas para todos os animais.

“Passei pelo Zoológico de Denver que possui mais de quatro mil animais de todo o mundo, mas suponho que eles deveriam dizer que são animais capturados em armadilhas, infelizes, suicidas, prisioneiros. E passei por Greeley que é a capital do assassinato no Colorado. Se você não acredita, pergunte a uma vaca”, satirizou.

Outra ação de Morrissey que chamou muita atenção ocorreu em 21 de novembro de 2016, quando ele escreveu uma carta para a CEO da General Motors, Mary T. Barra, depois de sua apresentação no Royal Oak Music Theatre, em Michigan.

“A GM é citada na nova pesquisa da PETA em que animais têm suas caras marcadas, são eletrocutados e espancados antes de serem abatidos e usados na fabricação de interiores de couro para empresas de automóveis”, reclamou e pediu que a General Motors fabricasse automóveis com bancos de couro vegano.

Contra o uso de couro 

Para endossar sua insatisfação, durante o show em Royal Oak, no subúrbio de Detroit, onde fica a sede da GM, ele mostrou um vídeo da PETA, denunciando como os fornecedores de couro dos fabricantes de automóveis maltratam os animais. A parceria com a entidade resultou em um filme de animação sobre a triste realidade de galinhas criadas em unidades industriais. O vídeo foi exibido em cada um de seus shows em 2014.

Morrissey é a favor do fim de todos os zoológicos e circos que usam animais. Ele defende que todos deveriam ter os mesmos direitos básicos dos seres humanos. “Eu gostaria de perguntar a quem come carne por que eles acreditam que os animais não podem ter nenhum direito de viver suas vidas, enquanto os seres humanos reivindicam um direito dado por Deus de viver como desejam…”, queixou-se em resposta a uma pergunta feita pela fã Amber Derby no “True To You – A Morrissey Zine” em janeiro de 2014.

Promovendo a importância de uma vida livre do consumo de carne desde a década de 1980, Morrissey tem como principal inspiração a própria mãe, que o motivou a seguir pelo mesmo caminho. “Me tornei vegetariano com 11, 12 anos. Éramos muito pobres e pensei que carne era uma boa fonte de nutrição. Acho que você pode dizer que me arrependi daqueles anos consumindo carne. Minha mãe é muito ativa. Frequentemente participa de campanhas anti-caça no Reino Unido. Me influenciou muito”, admitiu a Dan Matthews, da PETA.

Uma das coisas que mais dão prazer ao cantor, segundo ele próprio, é a realização de shows beneficentes em prol dos animais. Porém, mais tarde surgiram ressalvas, já que Morrissey recebe muitos pedidos, assim gerando conflitos entre os grupos. “Se você fizer um show para um grupo, você acaba tendo problemas com os outros. Acho que contribuímos muito com o movimento dos direitos animais, uma vez que é o principal tema das nossas músicas. Realmente temos um monte de pessoas pensando e falando sobre isso, e ajuda a manter a discussão em torno do problema”, enfatizou.

Sobre a transição para o veganismo

Preocupado em contextualizar as letras de suas músicas, um dia quando concedeu entrevista a um programa de TV na Escócia, Morrissey pediu filmagens de matadouros e as usou em um show realizado propositadamente no horário do jantar, para que as pessoas refletissem sobre o que estão comendo. Ao final da exibição, o cantor lançou uma pergunta: “Qual é a sua desculpa agora?”

Entre os vídeos que ele costuma indicar aos fãs está “The Video the Meat Industry Doesn’t Want You To See”, disponível no YouTube. Segundo ele, a obra resume a sua perspectiva em relação à exploração animal. “Se isso não for suficiente para trazer pessoas para o vegetarianismo, então provavelmente são pessoas feitas de pedra”, comentou com o fã Matthew Preston em um bate-papo ao “True To You – A Morrissey Zine” em janeiro de 2014.

Sobre a transição para o veganismo, Morrissey disse em 20 de agosto de 2015, em entrevista ao apresentador estadunidense Larry King, que foi algo gradual. “Todo mundo começa como vegetariano porque mergulhar diretamente [no veganismo] é muito difícil para a maioria das pessoas”, argumentou.

O músico britânico também tem ajudado a levar o ativismo pelos direitos animais para o mundo dos jogos. Em 2016, ele aprovou o lançamento de “This Beautiful Creature Must Die”, baseado em um dos trechos da música “Meat is Murder”, que responde pela trilha sonora em versão arcade. No game, o jogador deve proteger animais fracos e indefesos da violência humana, principalmente em matadouros. “É melhor do que Pokémon Go”, brincou Morrissey.

Apelo pela oferta de refeições veganas

Em 2018, Morrissey pediu ao governo do Chile para oferecer opções veganas nas escolas. O pedido foi feito diretamente ao diretor da Junta Nacional de Auxílio Escolar e Bolsas de Estudos (Junaeb), Jaime Tohá, também responsável pelo programa alimentar das escolas públicas chilenas.

De acordo com informações da revista chilena AR13, a iniciativa de Morrissey foi ao encontro do programa “Menu Vegano”, uma iniciativa que surgiu em 2015 e que visa incentivar autoridades políticas a incluírem refeições veganas nas escolas da América do Sul.

Além de destacar os benefícios de uma boa alimentação à base de vegetais para a saúde, o cantor britânico enfatizou que carne representa o assassinato de animais e do planeta. “Faça um favor a todos e ofereça comida vegana aos estudantes”, pediu.

Contra o uso de penas e peles

Em 2019, Morrissey enviou uma carta pedindo que a fabricante de roupas de inverno Canada Goose pare de financiar a morte de animais. O problema, segundo Morrissey, é que a marca utiliza peles e penas nos capuzes de jaquetas e casacos.

“A Canada Goose está revivendo quase que sozinha a cruel indústria em que animais podem sofrer por dias em armadilhas, tentando roer seus membros antes que caçadores voltem para espancá-los até a morte”, destacou o músico.

Morrissey defende que nenhuma roupa de inverno vale a pena se o preço for a vida dos animais. “E gansos são confinados em gaiolas apertadas e transportados por centenas de quilômetros até serem abatidos nas mais diversas condições climáticas antes de serem pendurados de cabeça para baixo e terem suas gargantas cortadas – muitas vezes enquanto ainda estão conscientes”, lamentou.

O músico britânico enfatizou que hoje há inúmeras opções sustentáveis, que vão desde lã biodegradável a tecidos criados a partir de casca de coco.

Saiba Mais

Morrissey também faz campanhas contra a superpopulação de animais, incentivando a castração.

Em 2016, os cozinheiros Joshua Ploeg e Automne Zingg lançaram o livro “Defensive Eating with Morrissey: Vegan Recipes from the One You Left Behind”, baseado em mais de 100 receitas veganas aprovadas pelo cantor britânico.

Com o The Smiths, o vocalista lançou os álbuns “The Smiths”, “Meat is Murder”, “The Queen is Dead” e “Strangways, Here We Come”.

Em carreira solo, Morrissey lançou entre os anos de 1988 e 2021 os álbuns “Viva Hate”, “Kill Uncle”, “Your Arsenal”, “Vauxhail And I”, “Southpaw Grammar”, “Maladjusted”, “You Are the Quarry”, “Ringleader of the Tormentors”, “Years of Refusal”, “World Peace is None of Your Business”, “Low in High School”, “California Son”, “I Am Not a Don on a Chain” e “Bonfire of Teenagers”.

Matéria atualizada em 07/07/2021. 

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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