Não queria que frangos morressem

Ilustração: Cynical Coyote

Em frente a uma avícola, viu fila de mais de 30 caminhões transportando frangos. Aguardavam liberação do lado de fora para enviá-los para a morte do lado de dentro, assim como tantos outros entregues todos os dias.

Quis vê-los de perto, e achou que não haveria problema em estacionar o carro para observá-los por minutos. E não havia mesmo – confirmou um segurança a poucos metros dali. Sugeriu apenas que mantivesse segura distância dos caminhões.

Enquanto muitos veículos aceleravam na rodovia em frente à avícola, sua observação oscilou por gaiolas vermelhas, amarelas e acinzentadas que abrigavam tantas aves. “Tem centenas aqui, não, milhares.”

Concentrou atenção em poucas, mas era como estar diante de todas. Caminhou entre os caminhões e a movimentação atraiu curiosidade de alguns frangos que encostavam o bico nas grades, mas sem chance de atravessá-las pela pequena abertura.

Sua proximidade multiplicava os pares de olhos que pareciam cobri-lo de agitação e intenção. Ouviu muitos pezinhos batendo contra o fundo das grades. Eram passos curtos, talvez nem isso. Meio passo, quem sabe – o que o aperto permitia.

Chegou bem perto de um caminhão, inclinou a cabeça pra trás e algo molhou sua testa. Naquele calor, algumas aves respingavam, e sentiu cheiro que nunca esqueceu, como se ganhasse forma invisível e fixasse em parte inalcançável da parede do nariz para não ser removida.

Não pendurou em nenhum caminhão, mas notou que havia mais olhos mirando ali fora do que antes. Já não pensou em curiosidade, e entendeu aquilo como tipo de vontade.

“Agora vocês estão todos aqui, e daqui a pouco já não estarão, nem aqui nem em lugar nenhum – pelo menos não quem realmente são. Onde estarão seus olhos, seus pés, suas reações?”

De repente, junto de outro caminhão, viu alguns frangos arquejando, com respiração ruidosa, e o peito indo e voltando – fazendo pressão contra as grades. Algumas peninhas caíram sobre sua cabeça, como se formassem ninho. Ele as recolheu e as observou na palma das mãos, onde se uniram de novo.

Pensou em pedir que deixassem levar pelo menos um ou dois frangos vivos, mas concluiu que achariam ridículo e inventariam qualquer desculpa para não deixar de matá-los. Afinal, chegavam ali pra morrer. Sentindo-se impotente, andou até o último caminhão, onde ouviu barulho perto dos pneus traseiros.

Viu que o motorista não estava por perto, nem na cabine. Agachou e encontrou dois frangos iguais aos do caminhão ciscando em um matinho quase à beira do asfalto. Levantou e percebeu que uma das caixas no fundo esquerdo da carroceria tinha grande abertura.

Buscou o carro, pegou os dois frangos que continuavam no mesmo lugar e foi embora. “Hoje são vocês. Quem sabe quantos serão amanhã?”, disse olhando para as aves no banco traseiro.

 

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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