Pensando na morte do bezerro

Foto: Aitor Garmendia/Tras Los Muros

Deitou na cama. Sem sono, lembrou de um vídeo que mostrava o abate de um bezerro. Preferia não ter visto. Talvez outro dia tivesse reagido diferente. “Não sou tão curioso. Por que não ignorei? Sei que esse tipo de coisa acontece, então não sei por que isso tem me incomodado.”

O animal tinha olhos grandes, tufos de pelos nas orelhas e expressão infantil. “Parecia que pedia ajuda pela lente da câmera. Mas o que eu poderia fazer? Nada! Ele estava lá e eu aqui. Além disso, nem sei quando aquilo aconteceu.”

Coçou a cabeça e mirou o teto. Fechou os olhos e sentiu algo molhado caindo sobre o peito. “Que cheiro estranho…” Viu sangue. Levantou bem rápido, passou a mão pelo peito, olhou para a cama e não havia nada. Nada mesmo. “Ué!”

Tentou pensar em outra experiência – não conseguiu. “Acho que não olhava exatamente pra quem atirava. Era como se a culpa não fosse dele. Ou talvez seja só impressão. O que sei? O que qualquer um sabe? A gente interpreta os animais, não vive suas vidas.”

Fez mais um esforço pra mudar de pensamento. “Que bife ruim que comi. Não desceu bem. Não sei se foi o tempero ou porque não estava bem passado. Pelo jeito, errei a mão.” Sentiu amargor na boca e decidiu escovar os dentes outra vez.

Terminou e ficou parado diante do espelho. Percebeu odor de carne estragada – ou era apenas cheiro normal que imaginava e incomodava. “Será?” Enxaguou a boca mais uma vez e cuspiu na pia. Fechou os olhos e respirou fundo. Quando abriu, o cheiro sumiu.

Não voltou para a cama. Caminhou até o quintal e encostou as costas no muro. Desviou ideias. “O que devo preparar amanhã para o almoço?” Não concluiu. Não pareceu importante e ainda sentia estranhamento por dentro.

Movimentou a cabeça de um lado para o outro e mirou o céu. Viu um bezerro se formando. Achou intrigante. “Parece que a consciência quer o que a consciência quer.”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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