Pondé ataca mais uma vez os veganos

“A natureza é uma besta fera que devora tudo” (Foto: Canal Luiz Felipe Pondé)

“Não existe a natureza que os veganos imaginam em suas vidinhas protegidas e cheias de pequenos luxos alimentares presentes em restaurantes descoladinhos. A natureza é uma besta fera que devora tudo”, publicou esta semana Luiz Felipe Pondé, que já havia atacado veganos em 2017 e em 2018.

Não acho que veganos imaginam nenhuma natureza que não seja plausível, considerando que ser vegano implica em uma profunda análise da realidade. Ou seja, não apenas da forma como nos relacionamos com os seres humanos, mas também com seres de outras espécies.

E partindo disso surge uma preocupação supraespécie, em incluir animais sencientes em nosso círculo moral por um motivo bem simples. Se podemos minimizar o mal que causamos aos animais, por que não fazê-lo? E quando consideramos isso, não estamos ponderando sobre a natureza desses animais que não anseiam pela morte? Não há prejuízo à saúde humana. Ademais, não estamos também nos preocupando dessa forma com a saúde do planeta?

Acredito que a natureza não é “uma besta fora que devora tudo”. Além dessa colocação remeter de forma clichê à natureza selvagem, nem as “bestas feras” da natureza devoram tudo, já que elas não desequilibram os ecossistemas, mas nós sim quando interferimos na vida não humana considerando somente nossos interesses.

A ideia da “besta fera que devora tudo” também é uma concepção fatalista do mundo e da realidade, porque defende que as coisas são como são, e nada pode ser feito para mudá-las. Quem acredita nisso se coloca como agente passivo da realidade, e busca apenas concordância baseada numa aversão a mudanças que ameaçam prazeres, vícios, hábitos e comportamentos hoje questionáveis moralmente pelas consequências desnecessárias que desencadeiam.

Quando Pondé diz que veganos têm vidinhas cheias de pequenos luxos alimentares, vejo outro equívoco. Ele faz uma associação primária do veganismo com poder de compra e consumismo. E mais do que isso, parece relegar o veganismo a hábitos alimentares elitistas. Será que Pondé já considerou que uma alimentação livre de carnes, laticínios e ovos pode ser bem mais barata?

Substitutos industrializados desses alimentos são uma questão de opção, assim como frequentar restaurantes. E claro, o veganismo é mais que alimentação, envolve consideração das nossas relações de consumo em todos os aspectos. Recentemente, o The Good Food Institute (GFI) publicou uma pesquisa apontando que é mais fácil encontrar vegetarianos e veganos nas classes médias e baixas do Brasil do que nas mais altas.

Também não acho que veganos vivam no romanesco universo multicolorido exemplificado por Pondé, considerando que ser vegano implica em entender e se opor a um sistema que mata cerca de 70 bilhões de animais por ano só nos matadouros, sem contar mais de 100 milhões em experimentação animal e aproximadamente um trilhão de peixes vítimas da pesca comercial no mundo todo.

Com essa informação em mente, não vejo como posso resumir o universo vegano a um retrato que parece saído de um livro de literatura infantil – como o satirizado por Pondé. Olhemos ao nosso redor a quantidade de veganos que tentam chamar a atenção das mais diversas formas, e utilizando-se das mais diferentes ferramentas, para a realidade da subjugação animal.

Quem faz isso sabe que não é fácil, porque você considera o sofrimento animal enquanto muitos outros podem não demonstrar a menor empatia, razoabilidade ou consideração pelo que não é humano. Se fôssemos traduzir isso em cores, seria cinza. Pondé já disse também que veganismo é uma percepção sensorial estética infantil da realidade associada a uma expectativa purista e moralista.

Bom, nem purismo nem moralismo têm a ver com veganismo. Veganismo é uma perspectiva não excludente da moralidade, enquanto o moralismo é baseado em preceitos proverbiais que ignoram a particularidade e a complexidade de uma situação ou realidade. O veganismo faz exatamente o oposto do moralismo, que é fundamentado na tradição, uma tradição cediça. Acredito que “percepção sensorial estética infantil” é aquela despertada pela propaganda da indústria da exploração animal.

Pondé também já afirmou que veganos defendem que podem se retirar da cadeia de violência da natureza. Não conheço veganos que afirmam categoricamente que estão livres da cadeia de violência, até porque a maioria vive a realidade urbana, e nesse contexto é mais difícil ainda se livrar das armadilhas que envolvem a exploração animal, já que o ser humano subjuga outras espécies de forma tão visceral que até mesmo pneus contêm insumos de origem animal – como é o caso do ácido esteárico baseado em gordura bovina.

Porém, nada disso impede a luta para diminuir cada vez mais essa exploração, demandando alternativas que não envolvam agrilhoamento e morte de outras espécies. Veganismo é sobre o aperfeiçoamento na nossa relação com outros animais, até alcançarmos um objetivo maior que é o abolicionismo animal. Se temos condições de mudar hábitos desnecessários, que impactam negativamente em outras vidas, por que não fazer isso?

Por que não mostrar para as outras pessoas que é possível viver bem gerando menos violência? Como consequência, isso reduz a objetificação animal. Para finalizar, parafraseio Adam Smith, uma das referências filosóficas de Pondé, no capítulo 2 do quinto livro de “Wealth of Nations”: “Pode-se duvidar de que a carne do açougue seja necessária à vida em qualquer lugar.”

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Uma resposta

  1. Acho que não ficou claro para ele que nossa origem e nossos impulsos animais são justamente do que devemos nos afastar para sermos humanos livres e harmoniosos.

    Acho que não ficou claro para ele que o certo é valorizar a vida e o errado é desvalorizar.

    Acho que não ficou claro para ele que a dor pode ser evitada tanto nos irmãos humanos quanto nos animais se ele sacrificar alguns prazeres desnecessários.

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