O que aconteceria com os animais se o mundo se tornasse vegano

Arte: “Crossing”, da série Utopia, do artista alemão Hartmut Kiewert

Não é incomum as pessoas perguntarem o que aconteceria com os animais se o mundo se tornasse vegano. Quando alguém faz tal questionamento, é importante que essa pessoa pondere sobre uma realidade alcançável, não utópica, digressiva. Essa pergunta é feita de duas formas – buscando uma resposta realmente válida ou apenas como uma forma de tentar minar qualquer argumento vegano.

Essa pergunta, se feita de forma capciosa, é tola. O mundo não vai se tornar vegano hoje ou amanhã. Esse trabalho em prol do abolicionismo animal é feito como qualquer projeto de longo prazo colocado em prática pela humanidade. Analise com brevidade o nosso passado e reflita sobre a abolição da escravidão, grandes conquistas sociais, etc.

Algumas delas vieram à tona de maneira súbita? Foram alcançadas rapidamente? Não. São sempre trabalhos iniciados há muito, muito tempo, e que exigem maturação. Toda luta que coloque em xeque o status quo jamais teve visibilidade até o momento em que passou a ser vista como é, ou seja, algo crível e justo.

O vegetarianismo ético e o veganismo, embora não nos moldes atuais, existem desde o princípio da humanidade. Mas só a partir dos séculos 19 e 20 que passou a haver maior articulação em torno desses imperativos morais. Tivemos um amadurecimento estrutural e nos aproximamos do que entendemos hoje como direitos animais e abolicionismo animal. A literatura da libertação animal, criada como conhecemos hoje na década de 1970, por exemplo, foi inspirada nas ideias do escritor inglês Henry Salt, que já versava sobre o assunto em 1885.

Período de aperfeiçoamento

Vivemos um período de aperfeiçoamento das ideias do abolicionismo animal, de luta pela implementação de políticas públicas. Há mais produção, mais acesso à informação, e isso é muito bom para a mentalização, porque impacta nas nossas relações de consumo, no fortalecimento da ideia de que animais não são objetos, mas sim seres sencientes que não devem ser explorados.

Claro, o abolicionismo animal não vai acontecer com facilidade ou tão logo. Ninguém vai pegar um megafone e anunciar em um canal no YouTube ou na TV que de repente todos os animais foram libertados dos matadouros, das áreas de confinamento. Não creio que veremos bilhões de animais atravessando ruas e pastos. Nem mesmo sendo remanejados para outras áreas.

Sabe por que? Porque o veganismo pelo menos por enquanto tem se desenvolvido sob o aspecto da desaceleração de consumo. O que isso significa? Significa que o veganismo vai ganhando espaço conforme a demanda por produtos de origem animal for diminuindo. Com isso, quem lucra com a exploração animal não terá motivos para investir tanto, até por entender que se trata de mau investimento.

Com a desaceleração do consumo

Com a desaceleração do consumo, será mais fácil desenvolver um trabalho de educação vegana. Na minha opinião, a educação vegana depende dessa desaceleração. Do contrário, infelizmente esse trabalho corre o risco de ser visto como impositivo, não imperativo, ainda que essa leitura seja equivocada.

Na atualidade, estamos caminhando para banir globalmente nos próximos anos a realização de testes de em animais. Pode parecer pouco, mas só de instigar nas pessoas a reflexão contra a objetificação animal em laboratórios já existe uma possibilidade de ponderação mais ampla sobre a exploração animal.

Hoje, as pessoas não veem com bons olhos os circos que exploram animais, tanto que é uma prática banida em muitos estados e países. Os zoológicos que lucram com a exploração animal também já não são romantizados. Há cada vez mais pessoas reprovando a realização de vaquejadas, touradas e rodeios, entre outras práticas violentas.

Há mais comoção em relação ao abandono de animais, e as pessoas estão mais preocupadas com a origem do que consomem. Prova disso é que se você apresentar uma boa alternativa de produto sem ingrediente de origem animal, sempre haverá aqueles que optarão por não continuarem endossando esse tipo de exploração. O mundo vegano tem sido construído a cada dia, e não da forma utópica apontada de forma jocosa por quem o considera irrealizável.

Há 20 anos…

Se pensarmos que há 20 anos, ou até menos, tudo que citei acima era parte de uma realidade considerada normal, não é difícil reconhecer que essas mudanças são pontos positivos e determinantes para a construção de um mundo vegano, e todos esses fatores dependem da conscientização sobre a exploração animal em todas as esferas.

Se o veganismo se tornar uma realidade para a maioria da população, e espero que seja, mesmo que eu não esteja aqui, o número de animais criados e reduzidos a produtos e entretenimento será surpreendentemente menor. Tão menor se comparado à atualidade que não será difícil remanejar para santuários os últimos animais explorados, onde poderão viver em paz até os seus últimos dias.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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