Tazinha e a galinha Jurema

Ilustração: Jana Christy)

Tazinha chegou em casa e encontrou uma galinha. Ela nunca tinha visto uma de perto, a não ser descaracterizada dentro de uma panela, dividida em peito, pés, coxas e outras partes que depois de consumidas davam a impressão de que o animal reduzido a alimento jamais existiu.

Com cinco anos, Tazinha não imaginava que aquele molho vermelho e borbulhante cobrindo fatias grossas de batata-inglesa envolvia partes de um ser idêntico àquele que percorria o quintal com o viço de uma criança. Quando viu a garotinha de olhos amendoados e graúdos, a galinha se escondeu atrás de um pedaço de capoeira e cacarejou, mantendo os olhos castanhos e vibrantes bem esgazeados. Também abriu as asas mescladas de preto, amarelo e branco e esfregou os pezinhos em uma porção de terra arenosa, fazendo poeirinha.

Para conquistá-la, Tazinha correu para dentro de casa e perguntou: “Mãe, o que a galinha come?” Então caminhou até a despensa, afundou a mãozinha em um fardo de ração com cheiro de farelo de milho e se apressou em direção ao quintal, arrastando os chinelinhos e deixando um rastro louro. Ainda desconfiada e hesitante, a galinha a assistiu estendendo as mãos e os farelos deslizando entre os vãos de seus dedos miúdos. Tazinha sorriu apreensiva. Não sabia se devia se aproximar mais ou apenas lançar o que restou da ração sobre o chão de terra batida.

Tomou uma decisão. Se ajoelhou, fez coraçãozinho na terra com o dedo indicador da mão direita e o preencheu com os farelos. Logo que a galinha deu o primeiro passo, Tazinha recuou metros e metros, sentou à sombra da jabuticabeira e assistiu a ave se alimentando. Vez ou outra, erguia a cabeça e observava a criança. “Seu nome vai ser Jurema”, disse antes de engolir uma jabuticaba e enterrar a casca. A galinha a olhou com brevidade, cacarejou e continuou comendo, sem levantar a cabeça. Depois daquele dia, sempre que Tazinha corria até o quintal, Jurema a aguardava.

Balouçava as asinhas e caminhava até a garotinha que a abraçava e acariciava suas penas com o dorso da mão. Tazinha sentia cócegas quando a galinha se espichava, esfregando a plumagem contra seu pescoço. Gargalhava tão alto que atraía a atenção de vizinhos curiosos que penduravam no muro para ver o que estava acontecendo. Em menos de uma semana de convivência, Jurema começou a presentear Tazinha com preciosidades que ela encontrava no quintal.

“Que linda, Jurema!”, comentou assim que a galinha abriu o bico e lançou uma pedrinha colorida na palma de sua mão. Com os presentes, Tazinha fez um colar. Numa noite, quando seus pais questionaram o porquê dela nunca tirá-lo do pescoço, ela respondeu: “Ué, porque a Jurema é minha melhor amiga e quero sempre sentir ela pertinho de mim. Ela teve tanto trabalho pra juntar as pedrinhas.”

Tazinha gostava tanto da galinha que depois de muita insistência seus pais permitiram que ela levasse Jurema para passear pelas ruas três vezes por semana. “Ela também quer se divertir”, justificava, crente de que sua amizade com a galinha seria eterna, e que as duas nunca se separariam. Porém, quando a galinha estava perto de completar seis meses, ouviu uma conversa que a entristeceu:

— A galinha que meu irmão deu tá ficando velha, quase seis meses de vida já. Se demorar mais, passa do ponto. E o Alberto chega no final de semana e quer galinha caipira ao molho pro almoço de domingo – disse o pai.

— Meu Deus! E o que vamos falar pra Tazinha? – perguntou a mãe.

— A gente arruma outra galinha pra ela.

Desesperada, Tazinha correu até o quintal, pegou Jurema, a levou até o seu quarto e a escondeu dentro do guarda-roupa, onde passou a noite abraçada com a galinha. Pela manhã, seus pais ouviram um som suspeito vindo do quarto. Encontraram Tazinha chorando e acariciando as penas de Jurema que se mantinha em silêncio, com o bico recostado em seu ombro.

— Por favor! Não mata ela! Eu não sabia que a carne da panela vinha dos bichos. Olha, a Jurema anda, brinca e fica assustada que nem a gente. Coloca a mão aqui, pai! Coloca, mãe! Dá pra sentir o coraçãozinho dela batendo forte. Não mata ela! Por favor! Ela só quer viver!

No domingo, quando Alberto, tio de Tazinha, chegou para o almoço, se aproximou do fogão e ergueu a tampa da panela: “Mas que cheiro delicioso é esse, cunhada? Que maravilha!” Lá dentro, o molho vermelho borbulhava, exalando olência da combinação de batata, cebola, alho, cebolinha, salsinha, tomate, páprica, azeite e folhas de louro. No quintal, Tazinha amarrava uma fitinha no pescoço de Jurema antes de alimentá-la com um pouquinho de ração.

— Por isso você me olhou assustada no primeiro dia que te vi. Desculpa! Não precisa mais ter medo, Jurema. A gente nunca mais vai comer carne aqui em casa. Prometo!

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *