Um bezerro preso no buraco

Ilustração: Lindsay Leigh

Viu um bezerro preso em um buraco perto da BR-376. Tinha chovido na noite anterior e alguém, por maldade ou não, cobriu o escavado na estrada de terra com folhas de bananeira. Uma cerca perto dali estava frouxa, caída, raleando a grama. “Deve ter saído por ali”, concluiu.

Não foi longe. De jeito nenhum. Bezerro estava úmido e tremia. Quando tentou aproximação, contraiu-se em forma de casulo – cabeça e patas pra dentro, com o lombo arqueado. Não sabia se tinha quebrado alguma coisa e hesitou. Certeza sobre o que fazer, também não.

Achou que se chamasse “a pessoa errada” talvez o bezerro fosse morto ali mesmo pra não “prolongar o problema”. E o bicho não parecia interessado em voltar – foi o que pensou. Ligou pra um amigo veterinário. Quando o socorro chegou já tinha passado cerca de uma hora e o bezerro estava menos assustado.

“Deve ser bem jovem, talvez um mês de idade ou nem isso.” Observou os olhos do animal que encaravam os seus em silêncio. Achou estranha a ausência sonora de dor. Sem gemido, sem nada. O amigo começou a rir quando chegou no local e, de repente, mudou de expressão.

“O que tem de engraçado?” “De novo na madrugada? Não tem nada nesse buraco.” Ele olhou e não havia nada, mas pouco distante dali a cerca continuava frouxa, caída, raleando a grama. “O que isso significa?”, pensou.

Voltando pra casa, lembrou do bezerro que encontrou em um buraco de estrada de terra há mais de 20 anos. Com pressa, achou que não fosse boa ideia parar. Manteve vidros fechados para que a dor, se manifestada pelo som, não chegasse até ele – refugiou-se na crença de que não poderia ser maior do que o som da chuva – e não foi – guiada também pela vontade.

Não sabe se morreu naquele lugar, e a imagem do bezerro é como uma silhueta dentro da cova. Mas quando vê um buraco grande em estrada de terra às vezes para pra tentar tirar de dentro um bezerro que não existe.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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