Uma cidade onde ninguém se alimenta de animais

Mais adiante, crianças alimentavam porcos com frutas (Pintura: Hartmut Kiewert)

Voltando para casa de madrugada, pegou uma estrada errada e chegou a uma cidade que não conhecia. “Mas como? Conheço tudo na região e não imagino que eu esteja tão longe assim.” Não havia humanos, mas bois, vacas, galinhas, perus, porcos e carneiros que dormiam na praça.

Achou intrigante a diversidade de cochos, comedouros e bebedouros bem servidos, e nenhum animal viu sua presença como ameaça. Ficou ali observando cada um e assistiu o sol nascer, trocando olhares com os já despertos. Depois foi até uma padaria e pediu orientação sobre como voltar para casa. Não conheciam sua cidade. “Tudo bem. Pode me ver um copo de leite com café?” “Leite de que?” “De vaca, amigo.” “Mas aqui não tem isso.” “Então me vê o que tiver.” “Certo.”

Ficou surpreso com o gosto da bebida. “Acho que nunca tomei algo tão bom…” “É porque vem da boa terra.” “Quanto é?” “Não precisa pagar. Cliente novo, cortesia da casa.” Lá fora, assistiu um rebanho atravessando o centro sem tocador, sem peão – apenas bovinos. “Esses bois escaparam de onde?” “De lugar nenhum. Por que escapariam? São animais livres.” “É?” “Por que o senhor parece surpreso? Não imagino que seja diferente em qualquer outro lugar.” “Hum…”

Em frente a uma lanchonete, observou dois porcos deitados em grandes almofadas enquanto sentia um cheiro bom que vinha da grelha. Perguntou ao chapeiro o que ele estava preparando. “É uma linguiça de grão-de-bico com tofu…” “Vocês servem x-bacon aqui?” “Não, senhor. Já ouvi falar disso quando criança, mas não faz sentido comer o que não tem condição de renascer, não é?”

Coçou a cabeça, caminhou mais um pouco e entrou no primeiro supermercado que encontrou. Percorreu todas as seções de produtos alimentícios e não achou nada de origem animal. “Como pode?” Lá fora, um carro parou para duas galinhas atravessarem a rua. Do outro lado, um carneiro cochilava enquanto alguém lhe afagava o pelo. Mais adiante, crianças alimentavam porcos com frutas. Refletiu por poucos minutos e sorriu. “Será que devo voltar para casa ou já estou em casa?”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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