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Todo dia tem caixa cheia a caminho do abate

Um pouco de sujeira nas penas, olhos úmidos e sacolejo vez ou outra (Foto: Tally Walker Warne)

Caixa cheia a caminho do abate. Um pouco de sujeira nas penas, olhos úmidos e sacolejo vez ou outra. Inquietação e silêncio na carroceria. Lá fora também tem movimentação, mas é diferente.

Quem sabe o que significa a morte premeditada para um animal que está a caminho de encontrá-la? Olhar não transmite segurança, satisfação. “Expressão de medo e desalento?”

Vermelho das grades é opaco, desgastado. Quantas aves que já não existem estiveram na mesma caixa? Esfregando suas asas no fundo, nas laterais. Olha de um lado ao outro, situação de todos, menos de quem está lá fora.

Vê pessoas guiando “suas caixas” – diferente destino. Vão passando, ignorando, passando, ignorando. Estranhamento e curiosidade. É a primeira experiência fora do aviário em 40 dias – do nascimento à sentença.

Calor intensifica o desconforto, vem ar quente de fora, barulho, vozes. Caminhão passa em frente a uma lanchonete e uma criança mordendo uma coxa de frango aponta para a carroceria. Acha estranho – fica intrigada. Esquece e abocanha o que sobrou entre os dedos. É padrão, vontade imperativa.

Atrás das grades vermelhas, há desconcerto de movimentos. Hora passa e o aperto incomoda mais – é como se a caixa encolhesse. Respiração fica ruidosa. Quer sair, tenta sair. Estranha. Acerta outra com as asas e o desconforto aumenta. Mais estresse.

Tem sujeira na cabeça e no bico ferido. Não vem de dentro, vem de fora – da captura na hora de enfiar na caixa. Tentou fugir e esfregaram a cabeça no chão. “Doeu?” Não é exclusividade – na tecnicalidade é “norma de praticidade de contenção”.

Agora observa o vermelho da grade. Fixa olhos. “Pra frango e galinha, vermelho é premonitório”, alguém me disse. “Coisa de sentido.” É a última cor que enxergam quando sangram até morrer.

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Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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