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Em um acidente o prejuízo é mais importante que a morte dos animais

Um caminhão que transportava bois tomba e o destaque na matéria não é a morte de diversos animais, mas quanto de prejuízo "o proprietário da carga teve”

Foto: PMA/MS

Um caminhão que transportava bois tomba e o destaque na matéria jornalística não é a morte de diversos animais, mas quanto de prejuízo “o proprietário da carga teve”, porque após análise das condições “essa carne não poderá ser comercializada”.

Não há referência sobre como esses animais sofreram com o impacto, esmagamento, desmembramento. Não há sequer menção ao sofrimento não humano, que é constante apagamento. Há do início ao fim uma desconsideração do que foi essa experiência para os bois.

Mesmo que o boi seja um corpo antes vivo, ele não é referenciado como boi, mas como “carne comprometida”. A mídia reforça, por hábito e normalização, a condição do boi como não boi, como somente “carne que não deve ser comercializada” por não ser a carne na condição de morte exigida e desejada.

Não são dedicadas algumas linhas para refletir sobre a biografia do boi, a realidade do boi, sobre o que significa essa viagem para o boi e como é permissiva do fim também brutalmente variável do boi. O boi que morre na estrada é impensado como boi por qual motivação?

Há um constante e naturalizado exercício que funciona também como um subtrair a carne do boi, um apagar o boi, uma remoção do boi da própria carne – pensar na carne como não pertencente ao boi, a não ser por abstração, como não sendo parte inerente do corpo antes vivo, e que sofreu, e então é visto pela “medida de prejuízo”, pela “medida de um desejo impedido”.

O boi é citado somente como simbólico dos interesses de lucro e consumo – “o dinheiro perdido”, o “produto a não ser comido”. Mesmo que os corpos estejam sangrando na rodovia, haja agonia, e seja possível ver expressões terríveis na fisionomia desses animais, ou no que restou delas, e toda a vulnerabilidade e fragilidade do corpo expostas, como olhar para esses corpos e pensá-los e referenciá-los maiormente como “carne imprópria”?

É como se não houvesse o boi, somente carne em forma imprópria, e a carne, pela determinação humana, suprime o boi. Pense na carne, não pense no boi, porque se o boi é boi é somente pela carne que deve ser pensada como se fosse a integralidade de sua substância – nada além disso.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

Uma resposta

  1. Eles tentam o tempo todo desvincular a carne, do boi, do animal, o humano tem que sair desse encantamento e parar com o sofrimento dos animais…

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