O que resta ao boi faltando pouco para morrer? O que pesa sobre ele que não é sobre o que querem comer? O fim se aproximava, e seus olhos arregalados eram como expressão dessa realidade que nunca vem estampada no prato. E precisa? Ou basta um exercício de associação sobre o que em relação ao outro é também um querer?
São quereres antagônicos, em que o desejo caprichoso de um é o fim do desejo vital de outro. Qual interesse é mais essencial? Quem come, persiste; quem é comido, inexiste. Se isso é pensado em forma de justiça, o que dizer?
O medo do boi, se é sobre o que chega como preparação para a morte, não é reação a esse fim mesmo se dizem que ele não está em estado de antecipação à própria morte? Não é tudo que o boi vive um empuxo para a morte?
Se admira um boi no pasto, se admira um boi em qualquer lugar, e esse boi é criado para morrer, como é comum, ele só está ali pela brevidade de então não estar.
A interação do boi com o mundo é a interação pela não interação, não nessa forma viva, já que é mais tocado na sua forma morta, pela atribuição de valor que é sobre a carne, não sobre o boi.
Há sempre um boi que podemos ver e tão logo já não ver, porque foi morto pelo que é imperioso sobre a vontade humana, e muitas vezes pelo interesse dos mesmos olhos que o contemplam em diferentes formas – viva e morta.
Todo boi prestes a morrer pode ter sido um boi observado e admirado por alguém, mas o que é essa admiração que persiste só pela superficialidade de uma contemplação? Não há uma contradição no admirar essa vida enquanto vive-se o constante e irrefletido interesse de arrastar o animal para a morte?
Admirar então sem desejar mudar a realidade desses animais é como observá-los com mastigadas, que normalmente não ocorrem numa simultaneidade, mas não deixam de ocorrer o tempo todo.
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