Categorias: Pequenas Narrativas

Como os porcos vivem pouco

Pintura: Marina Marinksy

Não faz aniversário. Não passa de meio ano de vida. O que pode ser comemorado com seis meses? O fim? Não por você, mas pelos outros, não há dúvida de que sim. É uma vida estranha. De novo, não por você, pelos outros.

Naturalizam a estranheza e fazem com que pareça inerência, que na verdade é só crueldade e violência. Dizem que porcos existem para isso. “É de comer.” Como uma criatura dotada de emoções e sentimentos pode ser reduzida a “algo a ser colocado na boca”?

Pés, olhos, orelhas, boca…partes que permitem sentir e reagir a tantas coisas e situações. De repente, tudo isso é arrancado de você. Como é morrer de ponta-cabeça? Quem perguntaria? E a impotência de não poder soltar os próprios pés?

Estão tão distantes, inalcançáveis – como se o corpo alongasse na hora da morte. E sua energia que perde-se no horrendo choque precedente à lâmina usada para roubar-lhe o sangue? Chamam de eletronarcose, que dá ideia dum cuidado técnico-científico, de algo menos terrível do que é. Só ilusão pra afagar consciência que precisa validar desconsideração.

Os olhos, que parecem humanos, dão sinal do fim da vitalidade, como se fossem esvaziando, e tudo vai se perdendo. E como guincha no matadouro, mas quem ouve? São como sons que já não são, como se não significassem nada – o que pra você é tudo – uma manifestação final de rejeição à própria morte.

Sua fragilidade é vantagem para a humanidade que quer engolir partes do seu corpo. Imagino como seria se de cada fragmento de sua carcaça vendida como produto nascessem unhas, pelos, dentes, rabos e mamilos. E se cortassem, que continuassem nascendo sem parar, destacando-se e furando embalagens e sacolas.

Que vejam como chamamento à realidade ou que acreditem em maldição – uma aversão que vem do nojo também tem seu lugar num desenvolvimento de percepção.

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David Arioch S.A. Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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