Pesquisar
Close this search box.

Homem que trabalhou em matadouro reconhece crueldade do abate

Às vezes, não “caía de primeira” e era necessário disparar uma segunda ou terceira vez, fazendo o bovino estremecer e gemer

Conheci a história de um homem que trabalhou em um matadouro abatendo cerca de 500 bovinos por dia. Sua função era colocar uma pistola pneumática contra a cabeça deles e disparar, fazendo com que o dardo cativo penetrasse o crânio, destruindo parte do cérebro.

O animal desabava no chão. Às vezes, não “caía de primeira” e era necessário disparar uma segunda ou terceira vez, fazendo o bovino estremecer e gemer. No instante em que caía, o animal já não era o mesmo que foi forçado a entrar naquele lugar.

Ele não fez questão de negar que aquilo era uma situação desigual, já que o animal não tinha como fugir. Chegou a dizer que fazer isso com um boi é covardia, porque não há espaço para resistência, já que o animal sequer pode se virar para tentar evitar o disparo.

Todos os dias os tiros eram seguidos por um choque contra o chão. Formava-se uma espuma na boca e então uma baba grossa que muitas vezes deixava uma marca no chão – uma lembrança de que algo de muito importante foi tirado do animal.

“É como tirar o animal do animal, mas deixar o animal com uma capacidade de sentir que podemos dizer que não sente, mesmo sentindo.”

Muitas afirmações podem ser feitas sobre a capacidade de sentir de um animal no matadouro, mas quem pode refutar que tudo que é visto não revela nada que não seja reprovável pelo próprio animal? Qual é a perspectiva de interesse do animal?

Qualquer reação é uma rejeição a essa experiência, mesmo quando dizem que “ele não reagiu”, e se não reagiu não é porque foi enganado para não reagir? Ou por que foi estabelecida uma confiança que culminou em traição?

O matadouro é um espaço de armadilhas para o animal subjugado, em que tentar acalmá-lo é uma forma de não afetar o que se deseja arrancar dele (sua carne) e tentar fazê-lo não reagir mal a um espaço que existe para o seu mal.

Quando faz sentido afirmar que qualquer método utilizado para matar um animal porque ele é um fim no consumo é empático em relação a esse animal?

Não é surpreendente a crença de que destruir parte do cérebro de um animal é uma expressão de consideração por ele antes de sangrá-lo até a morte?

Leia também “No matadouro o corpo vivo encontra o corpo morto“, “Em ‘Sob a Pele’, humanos vivem realidade de outros animais no matadouro” e “A luta de um boi que não escapou do matadouro“.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *