Não dá pra romantizar o consumo de leite e derivados. Vacas leiteiras também trazem a marca da exploração independentemente de contexto. Há pessoas que usam o argumento de que a vaca precisa ser ordenhada senão ela sofre, e que o tanto que ela produz está além do suficiente para o bezerro.
No livro “Enquanto agonizo”, William Faulkner também traz o exemplo de uma vaca que sofre porque está “cheia de leite” e precisa ser ordenhada. A vaca chega a procurar a menina para ordenhá-la e a menina evita a vaca, alegando urgência em relação a outro assunto.
Mas Faulkner não romantiza o estado da vaca. Se a vaca sofre é porque ela sofre em consequência da intervenção humana. Ela, em sua condição, é resultado de manipulação genética, assim como todas as vacas classificadas hoje como “leiteiras”, para produzir uma quantidade de leite que não ordenhá-la gera sofrimento na vaca.
Então dizer que o natural é ordenhar a vaca para tirar o leite para consumo humano é uma conclusão enganosa – porque o leite gerado pela vaca não surge pelo que é natural à vaca, mas pelo que não é natural a ela. A vaca, na ausência de bezerros que suguem o leite concentrado nela, demanda a ordenha para aliviar seu sofrimento, não para satisfazer humanos.
Portanto o ser humano impôs à vaca uma condição cruel de “leiteira”. O volume de leite médio gerado pelas vacas em “idade produtiva” torna a “não ordenha” uma impossibilidade em fase de lactação. Mas ordenhá-la não deve ser sobre normalizar a exploração da vaca e sim chamar atenção para a crueldade que tira dela a possibilidade de não viver dessa forma em fase de lactação.
A produção anual de leite depende de manter um controle sobre o ciclo sexual e reprodutivo da vaca – porque o peso da procriação que se impõe a ela é para extrair dela tal volume de leite, que também não condiz com suas ancestrais, que produziam somente o suficiente para alimentar seus bezerros.
Olhar para o quanto uma vaca produz de leite hoje deveria ser um olhar que reprova essa realidade da vaca exposta há quase 100 anos em “Enquanto agonizo”, de Faulkner. Ademais, a vaca é outro animal descartado mesmo por “pequenos leiteiros” quando mantê-la viva já não dá lucro.
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