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O que vale no açougue é a morte

Coçou a própria cabeça e imaginou o que o dono da cabeça na vitrine fez um dia para coçar a sua própria

Foto: Tomas Castelazo

Parou à noite em frente a um açougue. Na vitrine iluminada, viu a cabeça de um porco decorada. Para os clientes que entravam e saíam, aquela cabeça era irrelevante.

Ficou intrigado com o cuidado que alguém teve com a cabeça do porco. “Parece que alguém quis deixá-la bonita.”

Ao lado da cabeça havia cortes de diversas partes retiradas de diversos porcos. “Não pode ser apenas de um.”

Coçou a própria cabeça e imaginou o que o dono da cabeça na vitrine fez um dia para coçar a sua própria.

Mas o que é própria? Quem é o dono dessa cabeça? O porco? O fazendeiro? A indústria? O açougueiro?

“E se o açougueiro não for o dono do açougue? Depende de onde se fala? O porco nasce com a cabeça, mas quem deixa o porco decidir sobre a própria cabeça?”

Observou as minúsculas frutas e outros vegetais coloridos em contato com a cabeça do porco, numa fantasia corada. Havia estranha sutileza numa exposição impossível sem violência.

Percebeu que a cabeça do porco recebeu um tratamento diferenciado, e não em relação ao que também é morto.

“É porque a morte vale mais que a vida. Não imagino que o porco tenha recebido um tratamento tão bom em vida, e logo agora que ele nada pode sentir.”

Mas não é porque ele nada pode sentir? E o que disso seria para ele senão nada? Não é assim sobre tantos animais?

Leia também “O mau cheiro vem do porco ou da exploração do porco?” e “Ser chamado de porco não é ofensa“.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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