Não é preciso presenciar o sofrimento de um animal para reprová-lo

Foto: Aitor Garmendia

Uma pessoa acusa alguém de “impropriedade” por fazer críticas a uma situação de exploração animal sem presenciá-la. Como se somente vê-la, de corpo presente, pudesse garantir um juízo adequado da situação. Sobre isso, lembro-me de Machado de Assis em “História de Quinze Dias”. “Nunca fui ao xilindró, e todavia não o estimo. Há coisas que se prejulgam, e as touradas estão nesse caso.”

O exemplo da referência à tourada serve para outras formas de subjugação animal. Pode o sofrimento animal ser uma interpretação equivocada do que sente o animal? É preciso estar diante do sofrimento animal para reconhecê-lo como sofrimento animal? Se não vejo o sofrimento animal, é o sofrimento animal uma invenção e posso furtar-me de crer que seja real?

Reprovar o sofrimento animal depende do meu juízo, mas mesmo que meu juízo fosse manifesto por indiferença, o sofrimento animal deixaria de ser sofrimento animal? Qualquer ideia de “impropriedade” em relação ao animal não humano dificilmente é a ideia de “impropriedade” em relação ao que não vemos sobre o ser humano, mas sobre isso não temos dúvida se envolve o que é implicação concreta.

Deve o mal ao animal, se a ação depende de causar-lhe mal, ser julgado como “impropriedade” porque o olhar humano não está fisicamente no lugar? Se é o que ocorre, não é porque o sofrimento animal ainda é definido como dentro de um espaço em que só pode ser sofrimento se estiver em um escopo predefinido de reconhecimento?

Não é o ser humano que ainda determina à medida de seu interesse o que sobre o animal não humano é sofrimento? O que parece óbvio porque é não pode ser rejeitado, porém não significa que não será dissimulado; porque ao animal cabe o espaço da “finalidade”, sem poder reivindicar, apenas por seu próprio interesse, sua exclusão desse espaço.

Mesmo quando o animal prevalece em sua resistência, a resistência só é considerada se dignificada pelo ser humano, senão logo reduzem-na à irresistência que desvanece a resistência. Logo a ideia da “impropriedade” em relação ao sofrimento animal é capciosa também porque vale-se da impossibilidade do animal em contestá-la sem depender da intervenção humana.

Leia também “Machado de Assis: ‘Devíamos adotar o são e fecundo princípio vegetariano‘”, “Imagens que expõem o sofrimento animal são importantes“, “Se reconhecemos o sofrimento animal, por que o estimulamos?” e “Pior do que ver o sofrimento animal é vivê-lo“.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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