Espetou o peixe grelhado sem cabeça e sem rabo no prato. Cortou um pedaço e levou à boca. Enquanto mastigava observou um tetra neon e um mato grosso no aquário. Parados em sua direção deram impressão que o assistiam tanto quanto ele os assistia.
“Comendo peixe assistindo peixe”, comentou. “É uma experiência nova.” Teve curiosidade em saber se os habitantes do aquário entendiam a situação. “Sei que não. E se entendessem, o que será que achariam?” Concluiu que eram sortudos, mas mudou de ideia.
“Não sei, porque este aqui veio do rio, foi o que garantiu o garçom, então pelo menos viveu um pouquinho na natureza, e vocês não sabem o que é a natureza. Será que existe prazer em estar aí? Nesse ambiente artificial.”
Deve ser esquisito saber nadar tão bem e nunca poder ir além. “Só que é o único mundo que vocês conhecem, certo? Mas se conhecemos outro, parece estranho deixá-los aí, mesmo que sejam criaturas domesticadas.” Levantou, ficou rente ao aquário e deu dois passos.
Aquele era o mundo deles. Mais adiante, outra divisão, outros peixes. Sentou outra vez e percebeu que continuavam na mesma posição, com a boca quase encostada no vidro.
Gostou dos olhos, vibrantes. No prato, não havia olhos – nem os rabos que cintilavam com a incidência da amarelada luz artificial. “Será que este aqui teria desejado viver em um aquário?”, monologou, ignorando o olhar de um casal da mesa ao lado.
“Pelo menos nunca terão a boca furada com anzol”, disse sorrindo. Tentou imaginar quantos peixes de aquário morrem asfixiados por dia no mundo para comparar com aqueles servidos à mesa.
Sabia que a diferença era aberrante, mas já não tinha certeza sobre o que era melhor ou pior. Deixou metade do peixe no prato e pediu a conta. Pagou e continuou ali assistindo o tetra neon e o mato grosso. Quando quase encostou a cabeça no vidro, o garçom voltou: “Eles estão dormindo. Já estavam antes do senhor chegar.”
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