A morte de um animal explorado é inesperada?

É inesperada a morte de um animal criado para consumo antes que possa ser submetido a todos os interesses determinados por quem o cria e exerce domínio sobre sua vida?

O “inesperado” não é uma consequência inerente ao sistema que na sua própria estrutura evoca uma serialidade (animais como produtos em série) que rejeita a especificidade? Afinal, cada animal é um animal, com suas particularidades. E ainda que não seja sobre especificidade, o que essa realidade revela sobre condições de coletividade?

Mesmo que a distinção seja algo classificado nesse sistema como inavaliável, se um animal é mantido em um contexto de reificação/produtificação, que é forma predeterminada e gradual de reducionismo, como posso classificar sua morte como “inesperada” ou “acidental”?

Em um contexto onde cria-se um número indeterminado de possibilidades de “desanimalização”, a morte precoce em um sistema de fins precoces deve ser definida como “inesperada”?

Essa realidade é explorada de forma artificiosa e “oficializada” pela pecuária, pela mídia e por outros meios que reproduzem seus discursos, influenciando aspectos da vida social, incluindo a esfera política, usada também como espaço de reprodução e manutenção de defesas hegemônicas.

Exemplo também comum de manutenção-perpetuação é a associação da “morte não planejada” em um contexto de “criação animal” não apenas com o “inesperado”, mas também com “prejuízo”, “oneração” – que também são termos de representações de invalidações de vidas.

Há também comum associação com “fatalidade”, como se o animal criado para um fim, que é o lucro, não pudesse morrer de forma “inesperada”, e porque quem o criou proporcionou a ele uma suposta “realidade benéfica” – como o “máximo prover enquanto viver”, como se não fosse para não ser, morrer.

O “inesperado” também ganha associações com o pesar direcionado a quem criou o animal, e não com o animal morto. Afinal, quando um rebanho é afetado, resultando em mortes, quantos lamentos são direcionados às vítimas não humanas e quantos são voltados a quem não poderá monetizar o fim dessas vidas?

E o que dizem os discursos “oficiais” sobre isso? Toda a construção entre o “inesperado” e o “prejuízo” situam um lamento distante da vítima não humana.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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