Impacto da pecuária é ignorado em tragédias como do RS

Por que não se fala sobre o papel do consumo em tragédias ambientais?

Foto: Agência Brasil

Mesmo com ampla cobertura da mídia sobre a tragédia no Rio Grande do Sul, é perceptível que, quando isso é citado como uma consequência das mudanças climáticas, ou quando é feita uma relação com a crise climática, isso não motiva uma adequada reflexão sobre o que pode ou deve ser feito para não favorecer essa realidade.

O que chama atenção também é que embora a pecuária seja uma das principais causas e agravantes das mudanças climáticas, em decorrência de ser a principal causa do desmatamento (para a produção de soja para alimentar animais que serão mortos para consumo e para a formação de pastagens) e grande emissora de gases de efeito estufa, muitas pessoas ainda não estabelecem uma relação entre pecuária, tragédia ambiental e consumo.

Hoje é muito fácil encontrar inúmeros estudos científicos que corroboram isso, mas ainda assim tragédias relacionadas às mudanças climáticas são tratadas e exploradas pela mídia principalmente de forma abstrata. A abstração nisso está em não levar o leitor ou espectador a compreender que ele também pode promover mudanças por meio de hábitos de consumo.

Dias atrás, passando perto da fila do açougue de um supermercado, notei que dois homens que seguravam sacolas com carne lamentavam a situação no Rio Grande do Sul. Não posso dizer se eles ignoram o impacto do consumo na questão climática ou se apenas não têm conhecimento de que dentro daquelas sacolas eles também levam para casa parte do problema, e que somadas a tantas outras em açougues de todo o país trazem consequências ainda hoje pouco ponderadas.

Hoje é impossível não encontrar pessoas que lamentam sobre a realidade no Rio Grande do Sul, e elas realmente esperam que a situação seja resolvida somente por autoridades políticas. Há muitas críticas ao desmatamento e reivindicações por atribuições de responsabilidades. Claro que é preciso atribuir responsabilidades. Mas é coerente ignorar quando também participamos disso por meio do consumo? Quando nossos hábitos levam a uma somatória que favorece a intensificação dos impactos ambientais.

Claro que podemos dizer que se há veículos de mídia que têm parte de sua receita baseada na agropecuária, eles não vão querer explorar esse ponto da crise climática, pelo menos não de uma forma que coloque o sistema alimentar baseado em proteínas animais como algo a ser superado. Nesse caso, haveria no máximo uma abordagem “reformista”.

De qualquer forma, acredito que hoje é preciso encontrar um meio de superar essa abordagem abstrata da crise climática que ainda é predominante entre a população. Muitas pessoas continuam pensando nisso como se não pudessem fazer nada a respeito. Não acho que seja adequado ignorar que a maneira como isso é explorado pela grande mídia mantém essa percepção equivocada da realidade. Afinal, é por ela que tantas pessoas se informam e se atualizam sobre tantas coisas.

Por outro lado, aqueles que sabem da relação entre agropecuária e consequências ambientais, mas preferem ignorá-la, não poderão dizer que não sabiam se a situação piorar. Se olharmos para o que tem sido noticiado ano a ano, é difícil não concluir que as consequências estão realmente se agravando. As pessoas também deveriam se questionar a quais interesses atendem o negacionismo em relação à questão ambiental, porque é inegável que o negacionismo favorece mais a manutenção de prejudiciais interesses econômicos do que o oposto.

Claro que alguém pode dizer também que há mudanças que não dependem somente da nossa vontade, como as que envolvem, por exemplo, exportações. Nesse caso, sim, é imprescindível cobrar de autoridades políticas que parem de oferecer subsídios para que enquanto uma minoria lucre com essa atividade, uma maioria seja obrigada a lidar com as consequências ambientais dessa prática.

Todos nós temos condições de promover mudanças na contramão das consequências ambientais que estão se intensificando, começando por analisar como vivemos e como favorecemos essa realidade. Claro que há quem contribua mais com essa realidade, mas contribuir menos tira o sentido de importância do que podemos fazer e motivar outros a fazerem para mudar essa realidade?  Se a pecuária gera problemas, é urgente repensar o consumo.

Leia também “Como a pecuária brasileira gera grandes problemas ambientais“, “Não há como combater as mudanças climáticas sem combater a pecuária“, “Pecuária é um problema no nosso sistema alimentar” e “Brasil, um país onde há muito mais bovinos do que humanos“.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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