Como sofrem os bois

Viagem do boi é longa, só pra morrer – alguém lucrar e alguém comer (Ilustração: Roger Olmos)

Viagem do boi é longa, só pra morrer – alguém lucrar e alguém comer. Tem estranha e cruel multiplicidade nisso. Perspectiva vem da abertura pra onde quase ninguém olha, e quando olha vê como se não visse.

Todo mundo junto, escolhido pra falecer, sem consideração do não querer. Idade não é mais importante do que o peso da carcaça. Se rende bem, não importa se é precoce, super precoce…ou como o classificam.

Tempo de vida é só referência, porque se atingisse o peso para abate em horas ou minutos, iria pro matadouro no dia em que nasceu. Vida de bicho criado pra ser comido é isso.

Não tem vida, tem tempo emprestado para ser explorado até o dia de ser eviscerado e mais tarde fatiado. É a primazia do dinheiro no bolso e do volume no açougue. Sempre tem freguês bancando e esperando “o melhor”, que para o animal é o pior.

Não quer saber do que vem antes, só das partes bem cortadas para temperar. Quem pensa nas combinações que garantem a viagem até o matadouro? Alguém paga, alguém faz. Tem “carga viva” saindo e chegando – o tempo todo.

Acham sua viagem normal, trivial. Não importa se começa a chover e tenta aplacar a sede com as gotas de água que tenta segurar com a língua que vai se descolorindo.

Move-se lá fora com desejo e restrita liberdade, e vira último toque suave no interior da boca, e desce pela garganta com satisfação controlada.

A língua será arrancada e vendida como iguaria – cozida ao molho. Quantos gostos será que sentiu? Quantas vezes a colocou para fora? Na vontade ou no temor? Na dor? E a diversidade de motivações?

A morte é precedida pelo jejum, estômago vazio. Quem te viu já não te vê. Mas você vê quem não te vê. Como é desejada sua morte…

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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