Olhava para o leitão e era como se o leitão olhasse para ele. Parecia uma criatura torturada presa no espeto que atravessava o corpo. Barbantes faziam forte pressão contra a pele queimada, mais derretida em algumas partes do que em outras. É isso que querem para o Natal.
Mesmo que dissessem que ali nada era sobre sofrimento, sequer via sentido nessa afirmação. Como ver? Olhar para o porco era olhar para o sofrimento. A orelha ganhou um aspecto plástico. Pessoas se aproximavam e arrancavam pedaços do animal. Não viam nada do que ele via. Para eles, nenhum sentido fazia.
Em pouco tempo, do corpo inteiro ficou um buraco, que expôs o vazio dos órgãos arrancados. Estufaram o animal com outras partes de animal; outros, sim, misturadas com coisas da terra.
Era impossível não percebê-lo animal. Incomodava perceber que se para os outros havia ali um animal, era um animal doutro tipo, impossível de ser pensado da forma como ele pensava. É como ver o mesmo animal sem vê-lo. A vontade humana é estranha.
Não é estranho como o animal que vejo não é o que tantos outros veem?, continuou. A cabeça do leitão continuava ali – sua boca invadida pelo espeto. As narinas extremamente vermelhas se deformando. Continuou lembrando da expressão do leitão que, para os outros, era uma ausência.
Mais tarde, falaram do gosto, de como estava bom, bem temperado. O leitão era um gosto, uma passageira satisfação. Não reconheceu o animal naquela fala. O animal não estava ali. E quando está?
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