Livres da exploração, animais andavam pelas ruas

Pintura: Hartmut Kiewert

Animais andavam pelas ruas, não os vistos com pouco estranhamento, e sim aqueles que transformamos no que queremos. Não tinham pressa nem traziam expressão de medo ou terror por qualquer coisa precedente ou iminente.

Era como se vivessem aqui sem ser daqui, ou apenas estivessem aqui sem ser daqui. Tinham semblantes neutros e sabiam para onde iriam, e mesmo que não soubessem, prognose minha, buscavam algum lugar ou algo.

Não eram apenas carnes e ossos, mas também ações e quereres. Não corriam nem aproximavam-se de pessoas. Não buscavam aprovação ou tipo de afeto. Somente passavam e eram vistos e poderiam ser percebidos como são, distante de qualquer ruidosa maquinação.

Eram eles por eles mesmos, e a comum invisibilidade de suas existências deu lugar à inversão. Os humanos que não atraíam a atenção desses animais, tornando-se pouco perceptíveis – não por condicionamento, mas pelo oposto. Não pense em retaliação, despique ou algo do tipo, porque não é sobre isso.

Eles estavam isentos de qualquer sentimento de submissão que pudesse manifestar-se em estado emocional doloroso, associado a traumas, frustrações e temores comuns à subjugação.

Nas ruas, suas batidas do coração não eram diferentes de quando estavam sozinhos. Seus passos eram lentos e, quando queriam, paravam às sombras das árvores para aguardar o arrefecimento do asfalto.

Sim, eram animais que já estavam além da idade de abate, e continuavam ali e viviam como se outro mundo fosse possível, e era tanto quanto é. Alguém poderia falar em nulidade das experiências de dominação por artifício que escapa à nossa compreensão – como se tudo acabasse como se nunca tivesse sido.

Incluindo ou excetuando tal ideia, pareciam sentir-se como se a humanidade não pudesse tocá-los ou tirá-los de seu estado de remanso coletivo – o que não exprime tolice ou lhaneza. Foi quando percebi que sobre nós sabiam o que não sabemos, e isso poderia ser o suficiente. Por que não?

Outros também perceberam, o que permitiu ausência de qualquer intervenção humana, porque eles não estavam ali por nós ou para nós, mas por eles mesmos e continuariam assim.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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