Quantos animais são mortos porque não são mais considerados úteis?

Uma reflexão a partir da obra “Ratos e Homens”, onde homens aprendem a encarar a vida como válida à medida da utilidade de quem vive

No filme “Ratos e Homens”, de Gary Sinise, uma adaptação do livro homônimo de John Steinbeck, há uma cena em que o idoso Candy (Ray Walston) é pressionado a livrar-se de um cachorro também idoso.

A justificativa para matá-lo é que o cão, antes usado para arrebanhar ovelhas, “já não serve para nada”. Para convencer Candy a deixar que o matem, dizem que o cão fede e está doente. A doença é a velhice, e sendo velho, o animal já não deve viver. É uma experiência que faz Candy pensar em como seria sua vez.

Também é uma situação que leva a uma reflexão sobre a instrumentalização animal, porque se o estranhamento e a primeira resistência dão-se por ser um cachorro, num contexto em que homens aprendem a encarar a vida como válida à medida da utilidade de quem vive, quantos animais são mortos todos os dias porque não são mais considerados úteis?

Isso é tão normalizado que sequer há dados gerais sobre animais que são mortos em consequência da “sentença de não utilidade”. Podemos pensar tanto em animais criados para fins alimentícios, como vacas e galinhas, que não produzem ou “não produzem o suficiente”, como em animais usados para transporte ou entretenimento, que têm força ou performance reduzida. Assim o viver é condicionado a uma forma arbitrária do que é determinado como um “oferecer”.

Na obra o cão é morto com um tiro que dizem que seria indolor. Não o vemos, porém ouvimos seu gemido, que permite uma relação com a execução diária de tantos animais para fins humanos, porque sobre eles se insiste todos os dias na afirmação da ausência de dor, uma ausência que quem de nós aceitaria experimentar?

Quando Lennie (John Malkovich) mata sem querer uma jovem e é morto da mesma forma que o cão, e por uma mão amiga, George interpretado por Gary Sinise, que julga-se mais compassiva, ele morre pelo mal que gera, a subtração da vida. Já o cão é morto pelo mal que pesa sobre ele, que independe de sua ação.

Mas no ato de morrer há uma aproximação do humano com o não humano, porque é estabelecida uma relação por analogia em forma de anulação do direito de viver. Assim, se o humano experimenta a morte como a experimenta outro animal é somente porque esse humano já não é pensado como humano.

O filme está disponível no Prime Video.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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