Sobre o termo “colheita” usado para “suavizar” a barbárie da caça

Foto: J.S.

Caçadores usam o termo “colheita” em referência aos animais que são seus alvos. A ideia de “colheita” é sobre “colher” o que é prejudicial, o que é um mal, o que deve ser extirpado, eliminado.

É sobre o ser humano culpabilizando um animal que, mesmo quando classificado como nocivo, seu comportamento que sustenta essa conclusão resulta da artificialização ou subtração de sua condição pela ação humana.

Então alegam que a “colheita” é sobre “conservação”, sobre manter uma área saudável, não mais ameaçada nem prejudicada. Ou seja, “colhe-se o que deve ser colhido”, numa ideação também de nem mais nem menos, na medida certa.

Caçadores apropriam-se de um termo com sentido comum que, sem complemento, não evoca nada de negativo, e o ressignificam para a violência. Se colheita traz uma ideia simplificada de tirar algo que brota da terra, no contexto da caça é derrubar algo sobre a terra, verter sangue, agredir, ferir.

“Colher” então é um eufemismo para matar – usando armas de fogo, brancas, armadilhas e outros animais. Uma “colheita” pode ser sobre animais agonizando em consequência da violência humana?

O termo “colheita” também mascara o prazer que caçadores têm em dominar animais, em matá-los, pendurá-los e expô-los como troféus. É mais uma das palavras usadas para dissociar uma prática do seu efeito e potencial destrutivo.

É intrigante como um comportamento não humano definido como nocivo é usado para definir um animal como nocivo – intentando afastá-lo de outras possíveis percepções sobre a diversidade de sua natureza. E por que ignorar que o comportamento nocivo não humano é resultante do nocivo humano?

Humanos, por exemplo, podem ter comportamentos nocivos, mas se isso não resume suas substâncias, devemos reconhecê-los como nocivos ou como pessoas com comportamentos nocivos?

Em relação aos outros animais, há uma tendência a querer justificar de maneira capciosa a violência da caça amparando-se na primeira, e para esse propósito o termo “colheita” também é utilizado.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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