Teofrasto: Explorar animais significa privá-los de viver

A crítica do filósofo grego serviu como referência ao filósofo dos direitos animais estadunidense Tom Regan (Imagens: Creative Commons/Sinergia Animal)

Sucessor de Aristóteles, o filósofo grego Teofrasto (372 a.C 287 a.C), considerado o pai da botânica, defendia, segundo Porfírio em “De Abstinentia”, que a humanidade tem uma dívida de justiça para com os animais porque o futuro da existência como um todo depende do equilíbrio entre humanos e animais, o que exige também que os seres humanos se abstenham de sacrificá-los e de comê-los.

Para Teofrasto, explorar, torturar ou matar animais significa privá-los de suas vidas, porque assim perpetua-se um ciclo de danos injustificáveis. A crítica do filósofo grego serviu como referência ao filósofo moral estadunidense Tom Regan para argumentar que a morte dos animais é moralmente errada porque é uma forma de privação da oportunidade de experimentar qualquer escolha futura, o que leva à conclusão de que a morte dos animais como consequência da exploração racionalmente humana é uma perda irrecuperável, ou seja, final.

Pesquisador da questão animalista na Grécia Antiga, o filósofo estadunidense Stephen Newmyer, professor da Universidade Duquesne, em Pittsburgh, na Pensilvânia, diz que um dos conceitos-chave desenvolvidos por Teofrasto, e que influenciaria os direitos animais, é o conceito de oikeiotes, que combina ideias de pertencimento, parentesco e relacionamento. As primeiras referências estão registradas em “De Abstinentia”, de Porfírio, quando discorre sobre a filosofia de Teofrasto.

O discípulo de Aristóteles acreditava no parentesco humano com outros animais, que necessitavam de um tratamento mais empático e justo partindo dos seres humanos. “Esta mesma compaixão pelos animais como criaturas sofredoras inspirou Teofrasto a desenvolver o conceito de oikeiotes, que está em evidência no tratamento que Porfírio dá aos animais em ‘De Abstinentia’”, explica Newmyer no livro “Animals, Rights and Reason in Plutarch and Modern Ethics”, publicado em 2005.

Semelhanças entre animais e status moral

Em “De Pietate”, Teofrasto discute as precedentes especulações gregas em torno da racionalidade animal, indo ao encontro do que se pode chamar de questões de familiaridade na relação entre seres humanos e outros animais. Por isso, assim como “De Esu Carnium”, de Plutarco, “De Pietate” é considerada uma das duas defesas mais antigas do vegetarianismo e também uma referência em direitos animais. De acordo com Newmyer, “De Abstinentia”, de Porfírio, oferece uma defesa cuidadosa da ideia de que o homem primitivo só seria capaz de não matar um animal ao reconhecer nele algum tipo de parentesco.

Na perspectiva de Porfírio, os seres humanos não se assemelham aos outros animais apenas no que diz respeito às paixões, pulsões e sentidos, mas também, em níveis distintos, nas faculdades de raciocínio. Portanto, o conceito oikeiotes concedeu status moral aos animais a partir de uma preocupação moral humana. “A relação que os animais têm com os seres humanos é, em sua opinião, de natureza jurídica, pois os seres humanos devem tratamento justo às criaturas que são relativamente semelhantes a ele em suas capacidades mentais”, reforça Stephen Newmyer.

Também defendida por Pitágoras, a concepção de parentesco entre seres humanos e outros animais foi ofuscada por Aristóteles que, por outra via, encontrou maior aceitação em uma sociedade cada vez mais antropocêntrica. “Os agrupamentos irracionais ocorrem tão somente pelo instinto, pois, entre os animais, somente o homem possui a razão, tendo noções de bem e mal, justo e injusto”, simplificou Aristóteles. Afirmações como essa serviram como justificativa para que o ser humano continuasse subestimando a capacidade dos outros animais, colocando-os em um nível de inferioridade que influenciaria mais tarde a maneira como os seres humanos continuariam se relacionando com os animais.

Direito à vida não humana 

No entendimento de Aristóteles, os animais “irracionais” não possuem capacidades mentais para assegurar que seus interesses sejam respeitados. Por outro lado, o seu discípulo Teofrasto, além de reconhecer a existência do intelecto animal, viu exatamente nessa suposta incapacidade animal apontada por Aristóteles uma razão moral para que os seres humanos não se colocassem acima dos animais nem se aproveitassem de sua vulnerabilidade. E esse aspecto da filosofia aristotélica teve continuidade com influentes pensadores como o italiano Tomás de Aquino.

Sendo assim, o interesse de Aristóteles pela questão animal difere substancialmente do interesse de seus discípulos, como Teofrasto, que reconheceu o direito à vida animal não humana. O caso de Aristóteles contra a racionalidade animal possivelmente tinha apenas intenções parcialmente científicas, sem ponderar sobre as consequências morais de seus argumentos.

Porém, foi exatamente essa negação aristotélica que formou parte da base da atitude cristã ocidental em relação aos animais como criaturas que poderiam ser privadas de justiça e da própria existência, e mais – que poderiam ser usadas como o ser humano bem entendesse – uma conclusão que também é partilhada por Newmyer.

Também foi essa posição de Aristóteles, sem ponderar consequências futuras, que impediu que teorias filosóficas mais empáticas aos animais, como as de Pitágoras, Teofrasto, Plutarco, Empédocles, Apolônio de Tiana e Porfírio fossem lançadas à luz, não à escuridão. Assim não é equivocado dizer que a consciência antropocêntrica que persiste ainda hoje é uma consciência de influência aristotélica.

Saiba Mais

Teofrasto, grego de Eresso, em Lesbos, foi o sucessor de Aristóteles na escola peripatética. Ele chegou a Atenas ainda muito jovem, e inicialmente estudou na escola de Platão. Após a morte de Platão, ele se ligou a Aristóteles, que levou os próprios escritos a Teofrasto. Quando Aristóteles fugiu de Atenas, Teofrasto assumiu o Liceu.

Ele presidiu a escola peripatética por 35 anos, período em que a instituição se desenvolveu bastante – tinha mais de dois mil estudantes. Após sua morte, os atenienses o honraram com um funeral público. Seu sucessor foi Estratão de Lâmpsaco. Teofrasto faleceu aos 85 anos, de acordo com Diógenes. Uma de suas frases mais famosas é: “Morremos apenas quando estamos começando a viver.”

Referências

Porphyry: On Abstinence from Killing Animals (Ancient Commentators on Aristotle). Bristol Classical Press; Reprint edition (2014).

Newmyer, Stephen. Animals, Rights and Reason in Plutarch and Modern Ethics – Páginas 20-25. Routledge; 1st edition (2005).

Teophrastus. Encyclopædia Britannica – Volume 26 (1926).

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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