Vemos os animais como são ou como queremos?

Uma reflexão a partir de uma experiência de Levinas com um animal 

O filósofo francês Emmanuel Levinas narra no livro “Difficult Freedom” que quando ele estava preso em um campo de concentração nazista, nem ele nem os outros eram vistos como humanos, o que, em determinado momento, passou a dificultar o “sentir-se humano”.

Então o reconhecer-se humano deu-se graças a um cachorro que, quando Levinas e outros retornavam do trabalho forçado, os recebia saltitante e com expressão que, segundo ele, não parecia outra coisa que não alegria.

Foi o cachorro que reconheceu em Levinas e nos outros a condição humana. O cachorro os lembrava de que eram humanos. Era o único que “admitia” que sim, eles eram humanos, e sem o cão precisar ser humano, sem precisar se comunicar como humano, sem precisar ter qualquer característica que pudesse ou devesse ser chamada, apelando ao antropomorfismo, de “humanidade”.

Há algo de muito profundo nessa experiência de Levinas, sobre um animal em relação a outro animal, que permite um pensar sobre outra realidade. Quem pode dizer que os outros animais não nos reconhecem sempre muito mais do que nós os reconhecemos? E não penso agora especificamente em cães. E o nós em relação aos outros?

Se olhássemos para os outros animais, evocando quem (não o que) são esses animais e não o que fazemos deles, ou no que os reduzimos, será que os exploraríamos? Seria tão fácil subjugá-los e ver nisso um indiscutível imperativo de continuidade?

A experiência de Levinas foi como o “cão devolvendo a humanidade que tiraram deles”. E a animalidade que subtraímos violentamente de tantos animais por não permitir-nos ver uma animalidade não instrumental?

Já que o não humano para fim humano é mais visto como uma ideação condicionada e, ao mesmo tempo, desconectada. O animal pensado como animal, mas dentro do limite do que não deve ser refletido como animal.

Se nos permitíssemos ver esses animais, reconhecendo quem são, assim como fez o cão da história de Levinas, num olhar em que já não é o não humano para o humano, mas o humano para o não humano, o que poderia acontecer?

Não teríamos libertado esses animais e nós mesmos das limitações da nossa própria consciência e apatia em relação a quem menosprezamos apenas porque não somos?

Referência

Levinas, Emmanuel. The Name of a Dog, or Natural Rights. Difficult Freedom, p. 151-153. The John Hopkins University Press (1990).

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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