50% dos matadouros brasileiros podem ser clandestinos

todos os meses matadouros ilegais, e alguns até mesmo legais, onde animais são abatidos a pauladas ou marretadas, são identificados no país (Foto: Ascom MPF/SE)

Em um país onde a quantidade de matadouros clandestinos pode chegar a até 50% do total, de acordo com informações do artigo “A Clandestinidade na Produção de Carne Bovina no Brasil”, do economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Felippe Cury Marinho Mathias, publicado na Revista de Política Agrícola, é uma ilusão acreditar que existe consumo de carne seguro ou que a maior parte da produção de carne é resultado de práticas que se enquadram no chamado “abate humanitário”.

Mesmo que se fale na crescente implementação desse sistema, é inegável que isso não anula a privação e o sofrimento dos animais criados com fins de abate, sem considerar ainda a comum displicência em relação às medidas sanitárias. Embora o artigo de João Felippe Cury não seja tão recente, nada indica que a situação melhorou e, quem sabe, até piorou.

A existência de muitos matadouros clandestinos continua sendo um grande facilitador de proliferação de doenças e abusos ainda mais terríveis contra os animais. Prova disso é que todos os meses matadouros ilegais, e alguns até mesmo legais, onde animais são abatidos a pauladas ou marretadas, são identificados no país.

Só no último mês quatro foram fechados no Norte e Nordeste do Brasil. E quanto às condições sanitárias, nem é preciso entrar em detalhes, já que se não é incomum os matadouros legais não atenderem todas as normas e especificações, imagine então os ilegais, onde animais muitas vezes são abatidos em estacionamentos, pátios de cimento e a céu aberto. A verdade é que não há consumo seguro de carne.

Em março, o Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) divulgou um levantamento denunciando que só na Paraíba 71 matadouros abatem animais a pauladas e estão envolvidos em exploração de trabalho análogo ao escravo, além de atuarem sem o mínimo de condições de higiene.

E agora falando de grandes frigoríficos, quem não se recorda também da Operação Carne Fraca, que em março de 2017 denunciou que as gigantes JBS (Friboi, Seara e Big Frango) e BRF (Sadia e Perdigão) estavam mascarando carne vencida usando produtos químicos, e levantou, mesmo que modestamente, uma discussão sobre medidas sanitárias e “abate humanitário”?

Ademais, ontem os principais veículos de comunicação internacionais e nacionais denunciaram que foram encontrados resíduos plásticos em toneladas de carne da JBS nos Estados Unidos, ainda a “principal produtora de carne do Brasil” e uma das maiores do mundo.

Não podemos ignorar também que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) continua frisando que cerca de 70% das novas doenças que infectam seres humanos estão associadas à cadeia agropecuária, seja por meio do sistema de produção ou consumo, o que tem favorecido a redistribuição de patógenos, vetores e hospedeiros.

Isso ainda sem falar especificamente da Resistência Antimicrobiana (AMR), que é um dos maiores desafios da atualidade, que diz respeito às bactérias resistentes aos antibióticos que se desenvolvem em tempo recorde e podem antecipar um futuro em que muitos medicamentos já não terão efeitos na resolução de doenças que afligem animais e seres humanos – o que pode ser catastrófico nas próximas décadas.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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