A chuva fez todo mundo parar de comer animais

Pintura: Denise Hof

Foi a chuva que fez todo mundo parar de comer animais, é o que dizem naquele lugar. Chovia muito, não era gelada nem fria, e quando tocava qualquer parte do corpo, coberta ou não, algo mudava.

Mas como a chuva poderia molhar todo mundo se nem todo mundo estava exposto à chuva? Água que caía atraía pelo cheiro, pela forma, pelo som, pela curiosidade. Falam de uma parte e de um todo que instigava vontade.

De algum tipo, pois não. E a intenção? Muitas pessoas andavam pelas ruas e a água arrastava indiferença, desamor e impercepção, conveniente impercepção. E a compaixão? Era o que tocava seus corpos com mais impacto, anulando desejos da conveniência que vêm do sangue e da violência.

Como a chuva poderia transformar o apetite? Apetite? Não “só” apetite. E por que não? O que a água arrastava logo perdia força, tamanho e desaparecia. Para onde foi? Pra que saber? Eram camadas de má vontade, nocivos apegos e hábitos, empatia seletiva e ausência de alteridade. O que ouvi? Sim.

Pesavam e não percebiam. Por que não viam? Quem sabe? Tem o sim e tem o não. Melhor deixar o costume pra lá, que se vá. Ainda dá tempo. Alguém olhou para o céu e abriu a boca. O que são os outros? Já não são outros. Por que outros? Abriu tantos olhos? Sim, a chuva fez isso.

Destruiu algo que não deveria ser destruído? Não, só de dentro para fora. Quanta transformação. Quando parou de chover, ninguém precisou olhar para ninguém para perceber. Já era suficiente. É preciso mudar e mudou. Então não havia chuva. Cadê a chuva? Não foi a água que levou a indiferença embora?

Teve chuva? Isso importa? Ninguém mais queria comer animais e não comeram. Que sentimento de estranhamento! Prazer que vinha da morte virou ausência. Pra quê? Necessidade? Não, conformidade. E teve grande compaixão e empatia? Ainda tem e não deixará de ter.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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