A galinha Zezinha

Eu e meu irmão Douglas éramos crianças quando fomos para uma cidadezinha no Mato Grosso do Sul visitar um sobrinho do meu avô. Na manhã do dia seguinte, pediram que Douglas destroncasse o pescoço de uma galinha parda que estava quietinha ciscando sobre a relva.

— Se você matar ela, a gente já limpa e faz galinha ao molho.

Olhei para o Douglas e fiquei apreensivo, aguardando a reação.

— Não, obrigado — respondeu na sua típica fleuma.
— Vamos, rapaz! Mate ela! Mate! Não há nada de errado nisso.

Me levantei e caminhei em direção ao homem.

— Ele não quer matar. O senhor pode respeitar a vontade dele?
— Tudo bem, mas agora alguém tem que matar.
— Por quê?
— Porque a carne já tá começando a ficar dura, e não quero ficar no prejuízo.
— Então a galinha viver é prejuízo pro senhor?
— Claro que sim! Eu que cuidei dela até hoje. E ela não bota mais ovo.
— O que o senhor quer pela galinha?
— Nada, vamos comer a bichinha.

A galinha parou de ciscar e virou a cabeça em nossa direção.

— Será que ela está prestando atenção? — pensei, na minha curiosidade meninil.
— De um jeito ou de outro, daqui a pouco a gente vai matar ela, viu? — avisou o homem.

Quando não havia mais ninguém por perto, pegamos a galinha Zezinha e corremos por, talvez, mais de dois quilômetros e nos escondemos em uma área de mata nativa. Nem pensamos na possibilidade de sermos surpreendidos por algum animal humano ou não humano. Só queríamos protegê-la.

— Aqui a gente tá seguro — comentou Douglas.

Ficamos lá até escurecer, quando minha mãe nos encontrou sujos e famintos. De volta ao sítio, Douglas, que estava com o braço quebrado há duas semanas, mostrou o gesso para o sobrinho do meu avô:

— O senhor ainda acha que ela não merece viver?

No gesso, Zezinha fez um desenho de formas incertas com o bico, mas que de algum modo pareciam revelar algum tipo de afeição. O homem ficou calado.

— Se quiser, podem levar a galinha. Ela gosta de vocês.

Zezinha viveu com a gente por três anos antes de falecer. Gostava de subir na jabuticabeira, colher as frutas uma a uma e deixá-las na entrada da cozinha, presentes de galinha.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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