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Se o abate humanitário é tão correto, por que não é aberto ao público?

Por que não criar uma lei federal que obrigue os matadouros a permitirem visitas dos consumidores?

Quando se fala em abate humanitário de animais para fins de consumo, a afirmação mais comum é de que os consumidores não precisam se preocupar com os animais. Há uma propaganda de que os animais não sofrem, que são bem tratados ou tratados com respeito.

Por mais contraditórias que sejam essas afirmações, já que é impossível imaginar qualquer animal concordando em ser morto para ser comido por alguém, ao aceitar como verdade o que é defendido pela indústria da carne, qual é o problema em deixar que os consumidores possam testemunhar como esses animais são mortos?

Não vejo como na afirmação de um abate humanitário ser tão correto no tratamento dos animais, matadouros não estejam abertos à visitação pública. Só há intenção em afastar os consumidores do que é de interesse público quando se afirma algo que não se pode garantir que será percebido da mesma maneira pelos consumidores.

Sendo a carne um produto destinado a tantos consumidores, por que não permitir que conheçam o processo determinante que leva à sua disponibilidade? Por que não criar uma lei federal que obrigue os matadouros a permitirem visitas dos consumidores? Assim eles poderão concluir por si mesmos se o abate humanitário é uma realidade, se condiz com o que é afirmado sobre ser uma forma respeitosa de matar animais.

Ademais, tudo que é dito sobre abater animais nunca traz a perspectiva do animal vitimado. Porém, se o consumidor tiver garantido o direito de testemunhar o chamado abate humanitário, ele poderá também considerar a perspectiva não somente de quem lucra com o abate como também de quem é abatido. Isso não seria justo se há interesses em conflito? Afinal, não se pode negar que o interesse da indústria e dos consumidores não é o mesmo dos animais que estão no matadouro.

Hoje, quando se discute tanto sobre transparência nas relações de produção e consumo, como isso pode ser ignorado? Não é um ato de transparência permitir que o consumidor testemunhe o que ocorre antes que a carne esteja ao alcance de suas mãos? Considerando também que a carne é algo que se ingere, que é colocada dentro do corpo humano.

Se há tanta confiança de que o abate humanitário é aceitável e positivo, não há motivo para que matadouros não sejam abertos à visitação. Deixem que os consumidores tirem suas conclusões. Deixem que reflitam sobre essa relação que hoje tão comumente baseia-se num vazio da relação humana-não humana, se ponderamos que a maioria dos consumidores sequer já teve contato com animais como aqueles de quem comem a carne – sendo assim uma relação baseada somente na ação de ingerir partes deles já sem vida, num desconhecimento sobre quem foram e como se expressavam na própria individualidade.

Por que não conhecer no matadouro o animal de quem se come a carne, como ele é e como reage à morte? Os consumidores estão tão afastados dos animais que consomem que a maioria deles sequer precisa pensar na carne como animais. Esse é outro ponto em que a visita ao matadouro retomaria para o consumidor o que também é concreto sobre a experiência de ingerir animais como parte da sua alimentação.

Se comemos carne, por que não ver o animal vivo que originou tal carne? A dissimulação não deveria ser parte tão ordinária e normalizada dessa realidade. E a indústria da carne prospera diante do desinteresse do consumidor em ter contato com o que não é simplesmente a carne. Mas deveria ser assim? Matadouros devem abrir suas portas e consumidores devem visitá-los.

É essencial que haja transparência. Esse tipo de abertura também possibilitaria que mais informações sobre a realidade dos matadouros chegassem às pessoas, permitindo também o desenvolvimento de uma percepção mais crítica sobre as relações de produção e consumo e onde o consumidor deseja se situar.

Leia também “Quando a vaca não tinha mais leite a enviaram para o matadouro“, “Homem que trabalhou em matadouro reconhece a crueldade do abate“, “No matadouro o corpo vivo encontra o corpo morto” e “Em ‘Sob a Pele’, humanos vivem realidade de outros animais no matadouro“.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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