Açougue é um lugar de morte

Ilustração: Jane Lewis

À noite, caminhou até um açougue fechado perto de casa e ficou parado ao lado da entrada. Havia uma vitrine bem iluminada destacando diversos tipos de carnes acompanhadas de plaquinhas com preço e descrição. A luz permitia ir além, revelando o que estava por trás da vitrine.

“Como seria se tudo isso desaparecesse e carnes não fossem mais oferecidas neste lugar e em nenhum outro do tipo? Sem partes de animais, sem visco, sem aspecto desconfortável da mioglobina que pinga ou deixa os saquinhos molhados de vermelho, parecendo sangue.”

Perdeu as contas de quantas vezes viu pessoas em açougues sentindo nojo de algo, um pedaço esteticamente desagradável de gordura, vísceras ou órgãos inteiros ou fatiados. “Quase todo mundo deprecia algo no açougue. Não há unanimidade, e quem diz que sim, bom, promove uma inverdade.”

O nosso protagonista não encontrou nenhum pedaço que remetesse a um animal em seu aspecto original. “Quantas coisas o ser humano come que tiveram importante função para outra criatura…” Fechou os olhos e vislumbrou tudo esvaziando, desaparecendo, não restando vestígio de corpos.

Imaginou um espaço com diversidade de alimentos de origem vegetal mais saudáveis do que a carne, e não apenas isso – também repleto de cores. “O que enche-nos mais os olhos, cores inerentes aos frutos da terra ou a opacidade e ausência de diversidade de cores que encontramos nos frutos da violência?”

Concluiu que muitos não dariam atenção a isso, e que talvez fosse diferente se compartilhássemos com esses animais um código de comunicação que a humanidade não pudesse dissimular.

“Assim estaria decretado o fim dessa violência do consumo, ou pelo menos iríamos em direção dela, porque os animais poderiam reclamar seus direitos, queixando-se como o macaco de Kafka em ‘Um Relatório para a Academia’ ou a galinha de Voltaire no diálogo com o frango capão.”

Volteou mais uma vez a vitrine com os olhos. “Sim, que processem os humanos por toda exploração e morticínio de seus semelhantes, que sejam obrigados a indenizá-los, até que não reste pedaço de carne neste mundo.” De repente, a luz do açougue se apagou.

 
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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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