Adianta sim ser vegano!

Sem dúvida é um equívoco encarar a exploração de animais como parte de um processo natural (Arte: Hartmut Kiewert/Animal Utopia)

Não é tão incomum alguém dizer que não adianta ser vegano, justificando que é impossível se livrar completamente da exploração animal. “Você acha que está fazendo uma grande diferença, mas na realidade isso é uma ilusão”, dizem. Bom, não acho que estou fazendo uma grande diferença, acredito que estou fazendo a minha diferença.

Quero dizer, faço o que faço porque acredito que é certo. Se serve para motivar outras pessoas, que bom. Mas mesmo que não servisse, eu não teria motivo para não ir por esse caminho. Mesmo que todas as pessoas à minha volta me contrariassem, eu continuaria. Afinal, minhas escolhas não são baseadas no que a maioria pensa.

Sim, a exploração está por todos os lados, mas é interessante notar que a cada dia cresce o número de pessoas que já não querem se limitar a viver ignorando essas mazelas, mazelas que muitos dizem que são secundárias, argumentando que nesse caso evidencia-se o sofrimento animal em detrimento do humano, o que, sobretudo, não é verdade. Porém, essa leitura é esperada e tende a surgir em um contexto que pode ter duas explicações ou associações – desconhecimento ou interesse (que pode ser fundamentado ou não no engodo, na falácia).

O desconhecimento é aceitável porque não é malicioso, é mutável a partir de uma abertura conscienciosa. Já quando há predomínio do interesse, nem tanto, porque subsiste na defesa do indefensável, que é o argumento capcioso usado por quem defende um statu quo, ou seja, que tem algum interesse individual, pessoal, profissional ou coletivo na perpetuação de uma prática perniciosa que é a exploração animal.

“Sobre o veganismo ser uma ilusão”

“Sobre o veganismo ser uma ilusão”, enquanto imperativo moral que preconiza justiça para seres sencientes não humanos, devo discordar. Creio que ilusão é não rejeitar a exploração animal quando temos recursos para mudar pelo menos nossos hábitos. Quero dizer, devemos no mínimo partir de algum lugar e aperfeiçoar a rejeição a esse sistema exploratório.

Sem dúvida, é um equívoco encarar a exploração de animais como parte de um processo natural, quando natural é permitir que outros seres sencientes vivam o seu pleno potencial sem a má intervenção humana, ou que pelo menos não sejam trazidos ao mundo por nós para sofrer.

Há poucas coisas naturais no mundo quando falamos de nossas relações com os animais, começando pelo processo de domesticação forçada de outras espécies. A maioria dos animais que as pessoas comem e exploram hoje não surgiu assim na natureza. Podemos dizer que são criações humanas.

Outro ponto a se considerar é que nos iludimos com a ideia de que os animais criados para consumo, ou qualquer outra finalidade exploratória, são felizes em nos servir, quando eles não manifestam prazer nisso. Afinal, qual animal nasce com o anseio de tornar-se vítima de outra espécie? Nenhum. Todos querem viver sem sofrer, sem passar por privação, incluindo vítimas de ações inevitavelmente predatórias.

Nos aproveitamos dos animais

Usamos a nosso favor o fato de que animais não humanos explorados à exaustão são incapazes de verbalizar qualquer insatisfação. Podemos mentir sobre como eles se sentem, levando em conta seus movimentos e expressões incertas ou dúbias na nossa perspectiva. É mais fácil ainda quando estamos diante de alguém que não se importa muito com vidas não humanas, que já está imerso na legitimação e aceitação da objetificação.

Sabemos que há muitos casos, cotidianos ou não, envolvendo condicionamento animal que podem nos levar à reflexão sobre a dissimulação que impomos a outras criaturas. Coloque uma criança diante de um animal adestrado para proporcionar-lhe algum tipo de divertimento, seja uma criatura há muito domesticada ou não.

Provavelmente, o animal fará algo que aos olhos ingênuos de uma criança que desconhece a natureza daquela vida não humana pareça divertido, alegre ou bonito. Mas não significa que seja, pelo menos não para o animal; isto porque forjamos e falseamos até mesmo impressões de satisfação, júbilo e prazer, e também porque o animal não pode ou não tem mais a intenção de nos contrariar.

Tal fato costuma ser explorado de forma artificiosa ou sofística por quem lucra a partir da exploração de outras espécies. As queixas não humanas, mesmo que existam, e sejam expressas de algum modo, permitem o surgimento de controvérsias e o levantamento de dúvidas por parte daqueles mais céticos e insensíveis ao sofrimento animal. Sendo assim, também um terreno fértil para a desinformação.

Enganos do condicionamento 

Não é incomum nos depararmos com exemplos de criaturas “brincando” sem querer brincar, ou tendo uma atitude que inspire na artificialidade algo de positivo porque assim foram condicionadas. “Que lindo o que ele faz! Deve ter gostado muito de mim”, comentaria alguma criança, diante de uma ação bela, mas não natural de um animal.

Nisso, ignora-se o fato de que o que foi testemunhado não foi uma ação espontânea, mas condicionada, assim como muitas que endossam a crença de que somos superiores, logo temos o direito de fazermos o que quisermos com outras espécies, não importando se elas estão sendo obrigadas a tomarem parte em algo não natural.

Em síntese, a naturalização da exploração permite às pessoas olharem o condicionamento, a privação, o sofrimento e a morte de seres não humanos como consequência aceitável de um pretenso bem maior.

A dissimulação quando é alicerçada em uma construção histórica e cultural faz da ilusão não apenas verossimilhante, mas uma própria expressão da realidade aos olhos de tanta gente que, partindo do pressuposto de que animais não são “explorados em vão”, mas sim para beneficiar a humanidade, tudo parece válido, principalmente porque é permitido não tomar conhecimento de como isso ocorre.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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