Alguém diz: “Mas os animais não podem falar!”

“No caso de animais sociais complexos, os sinais trocados entre eles fornecem evidências adicionais sobre “o que se passa em suas cabeças” (Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals)

Se você está acostumado a defender os direitos animais, certamente já ouviu esse tipo de protesto mais de uma vez: “Como você sabe que as galinhas sentem dor? Elas lhe disseram?” Você provavelmente não levou isso a sério. É claro que isso geralmente é uma forma de encerrar uma conversa. No entanto, há céticos com uma abordagem mais refinada.

“Dor? Talvez. Mas alegar que são infelizes só porque estão confinadas, ou porque lhes são negadas condições que nunca conheceram – isso é antropomorfismo!” É muito mais difícil ignorar esse tipo de argumento. Há também aqueles que acrescentam, com um olhar vitorioso: “Eles não podem se comunicar conosco pela linguagem, portanto, seus sofrimentos e necessidades são apenas especulação; a observação de seu comportamento não é suficiente para termos uma ideia do que está acontecendo em suas cabeças.”

Esse argumento parece estar quase correto! Portanto, vale a pena analisar esse assunto mais profundamente, sob as limitações de um pequeno ensaio. Em que condições podemos dizer algo significativo sobre “o que se passa em suas cabeças”? Para esse propósito, precisamos começar com perguntas mais gerais, depois retornaremos às galinhas.

Meu amigo robô

Quando tento avaliar “o que está acontecendo na cabeça de outra pessoa”, tenho que adivinhar. Cada um de nós temos nossos próprios pensamentos. Não podemos ver os pensamentos do outro, ouvi-los ou senti-los. Só podemos ver, por exemplo, como suas pupilas se dilatam ou como sua mão treme. Também podemos medir o nível de adrenalina em seu sangue. Se concluirmos que ele está com raiva, ainda será apenas uma suposição. Talvez tenhamos errado na interpretação dos sinais e, de fato, ele estaria sentindo algo completamente diferente? Talvez ele seja na verdade um robô sem consciência, programado para dilatar as pupilas, tremer os membros, secretar adrenalina e todos os outros sinais que usamos para interpretar como sintomas de pensamentos?

Linguagem? Grande coisa!

Obviamente, para saber o que meu amigo está pensando, pergunto a ele. No entanto, suas respostas não provam o que ele está pensando, ou nem mesmo que ele está pensando. Nós ainda não resolvemos o problema do robô – talvez ele esteja programado para falar? E se ele for uma pessoa normal, mas usa uma língua que não entendo – que uso posso fazer da sua linguagem? Ou talvez ele esteja apenas mentindo? Nesses casos, tiramos nossas conclusões sobre “o que se passa em sua cabeça” observando seu comportamento e as condições ambientais ao seu redor. E nós fazemos isso de uma maneira semelhante à maneira como estudamos animais que não têm uma língua.

Um pensamento prático sobre o pensamento do outro

Se este for o caso, não podemos saber com certeza o que se passa na cabeça de outra pessoa. Mesmo assim, nos comportamos como se tivéssemos certeza do que os outros estão pensando. Todos nós temos muitos dados circunstanciais sobre os pensamentos dos outros. Perante isso, não há razão para não confiarmos em provas circunstanciais semelhantes para avaliar os pensamentos e sentimentos de animais de outras espécies. É claro que a informação que temos sobre eles é muito mais restrita em comparação com tudo o que nos é conhecido sobre seres humanos adultos e normais, mas ainda temos um grande corpo de conhecimento, o que nos permite fazer uma série de suposições com um grau razoável. De certo, essas suposições não são menos “certas” do que as que podemos ter em relação à consciência dos seres humanos. Essa informação é suficiente apenas se usarmos todas as regras a seguir e não apenas uma ou duas delas.

Regra Um: Testando o corpo

Temos uma grande quantidade de informações sobre a estrutura e função do sistema nervoso de diferentes animais. Muitas espécies, particularmente os vertebrados (inclusive nós) têm um sistema nervoso que se assemelha ao nosso – das células sensoriais nas pontas de nossos membros até o cérebro. Seus sistemas nervosos respondem ao ambiente de maneira muito semelhante às respostas dos seres humanos, nos níveis da função de substâncias químicas específicas no corpo, nas células ou em redes inteiras. É razoável supor que, dada a semelhança entre os fenômenos físicos em nosso sistema nervoso e no de outras espécies, há também uma similaridade nos estados mentais ligados a esses fenômenos (Isso não é um convite para experimentos em animais! É absurdo realizar experimentos com animais para provar, eventualmente, que tais experiências são moralmente erradas!).

Regra Dois: Observando o comportamento

Como nosso comportamento expressa nosso estado de espírito e nossos pensamentos, é razoável supor que comportamentos específicos de outros animais também expressam sentimentos e pensamentos. Dor, medo, ansiedade e prazer são expressos por meio do comportamento (voo, tremor, respiração, choro de aflição, cuidados com um membro ferido, etc. – a lista é interminável). Também podemos aprender com o comportamento dos animais sobre suas complexas preferências (por exemplo, quando um animal tem várias opções, ele escolhe uma delas consistentemente). No caso de animais sociais complexos, os sinais trocados entre eles fornecem evidências adicionais sobre “o que se passa em suas cabeças”.

Regra Três: Refletindo sobre a evolução

A grande semelhança entre nós e outras espécies não é acidental. Podemos supor que desenvolvemos a partir de ancestrais comuns e, portanto, a função de nosso próprio sistema nervoso não pode ser arbitrariamente diferente da função dos sistemas nervosos de outros animais. O arcabouço evolutivo exige ainda mais do que isso: qualquer característica que identificamos em qualquer animal se desenvolveu por meio da seleção natural, ou seja, deve haver uma vantagem para a sobrevivência. Por exemplo, a complexidade mental é uma vantagem para um animal que vive muitos anos e existe em uma sociedade, mas não para criaturas que eclodem na forma adulta e vivem apenas um dia.

Quais são as implicações disso tudo?

Em primeiro lugar, vemos que afirmações céticas do tipo “não sabemos o que se passa na cabeça dos animais” não têm relevância prática, assim como dúvidas semelhantes sobre a mente de outras pessoas são irrelevantes para fins práticos. Em segundo lugar, a fim de saber algo sobre “o que se passa na cabeça” de qualquer animal, não é suficiente confiar em informações escassas de um tipo limitado. Alguns dados comportamentais, alguns dados fisiológicos – estes não são suficientes para apreciar seriamente “o que se passa na cabeça deles”. Se alguém traz “provas” de que as galinhas não sofrem nas gaiolas de bateria da indústria de ovos, ou que elas não são capazes de sentir sofrimento, podemos ver imediatamente que essa “prova” não é mais do que dados limitados que não siga o requisito de combinar os três testes discutidos aqui. A fim de proteger os direitos dos animais, é claro que é necessário conhecer uma grande quantidade de dados de todos os tipos.

“Mas elas não podem falar”, de Ariel Tsovel, professor e doutor em filosofia pela Universidade de Tel Aviv. Tsovel tem uma produção prolífica na área de direitos animais. Também é colaborador do grupo israelense Anonymous for Animal Rights, fundado em Israel em 1994.  

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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