Ativistas publicam Carta Aberta e defendem que aprovação de PL não garante mais direitos aos animais

“Em termos práticos, os animais continuarão a ser comercializados (inclusive os cães e gatos), utilizados e tratados como coisas (objetos, bens) ambientais e, além disso, entendemos que reafirma a categoria de “coisas” às espécies não contempladas por este projeto de lei” (Foto: Tras Los Muros)

Ativistas dos direitos animais que defendem o abolicionismo animal elaboraram e publicaram hoje Carta Aberta que se apresenta como “um meio de conscientização às diversas camadas do movimento animalista sobre o momento institucional do país e a preocupação com o risco de retrocesso envolvendo conquistas legislativas e jurídicas para os animais não humanos”. A Carta Aberta critica diversos pontos do Projeto de Lei da Câmara nº 27/2018, de autoria do deputado federal Ricardo Izar (PP-SP), que acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605/1998 para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos, e pede o seu arquivamento. O PLC foi aprovado na semana passada no Senado e enviado para a Câmara dos Deputados após receber emendas.

Confira abaixo a Carta Aberta assinada pelo Saber Animal e movimento Nação Vegana Brasil: 

Os signatários desta carta aberta, Ativistas Animalistas, Defensoras e Defensores Abolicionistas, Advogadas e Advogados Animalistas, preocupados com a gravidade do momento histórico e institucional do país e, particularmente, com o possível e iminente retrocesso da Proteção Animal Brasileira aliado com o desmonte da Política Ambiental, vêm a público ponderar, advertir e assumir compromisso com a implementação da promessa constitucional de proteção à fauna e com a democracia brasileira na construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária.

1. PONDERAMOS à todas e todos que a Proteção Animal Brasileira vem se desenvolvendo paulatinamente ao longo das últimas décadas a nível federal, estadual e municipal nos respectivos Poderes Legislativos e também na criação de jurisprudência nos Tribunais Superiores e decisões judiciais favoráveis à defesa dos animais nos órgãos do Poder Judiciário.

2. ADVERTIMOS que o ativismo em defesa dos animais se desenvolve em várias frentes simultaneamente, na esfera judicial e administrativa, bem como através de campanhas educativas promovidas por integrantes da Proteção Animal e por Organizações Não Governamentais em Defesa Animal e é assim que viemos construindo, contínua e gradualmente, o avanço do Direito Animal Brasileiro no território nacional.

3. ADVERTIMOS que tal avanço traduz-se nas inúmeras legislações protetivas espalhadas Brasil afora e também em decisões judiciais das mais altas Cortes do país, a exemplo do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da crueldade intrínseca da vaquejada na ADI 4983 CE e nas rinhas de galo (ADIs nº 1856 RJ e nº 2514 SC), a exemplo da proibição da farra do boi (RE 153.531 SC) e até mesmo, mais recentemente, o reconhecimento pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça de que os animais de companhia ou de estimação são seres sencientes (REsp 1713167 SP), além de outras decisões monocráticas que concederam guarda compartilhada.

4. ADVERTIMOS que o entendimento de parte dos juristas conservadores de que os animais estariam na categoria de “bens móveis” no atual Código Civil (e já não expressamente como “coisas” conforme a antiga redação de 1916) NÃO é impedimento para a garantia dos avanços arduamente conquistados na Proteção Animal, tampouco obstáculo para a efetiva aplicação de todo o arcabouço jurídico protetivo vigente na prática judiciária, a exemplo dos julgamentos aqui mencionados.

5. ENFATIZAMOS que todo o repertório legislativo que dá suporte à Proteção Animal Brasileira (âmbitos federal, estaduais e municipais) já considera os animais como seres sensíveis e passíveis de sofrimento, jamais os tendo considerado como coisas, portanto já são titulares de direitos.

6. ADVERTIMOS que também perante o Poder Judiciário há muito os animais não são tratados como coisas, seja devido a possibilidade de tutela jurisdicional para ações criminais (maus-tratos e crueldade), seja devido aos resultados favoráveis em ações civis oriundas de relações privadas, a exemplo da guarda compartilhada e direito de visita à animais domésticos em caso de separação conjugal.

7. ADVERTIMOS que a senciência animal já se faz implícita na Constituição da República ao proteger a fauna na redação do artigo 225, parágrafo 1º e inciso VII (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e não submissão à crueldade), assim como também está presente em legislações esparsas (Lei Federal nº 9.605/98, Decreto-Lei nº 24.645/34, Lei Federal nº 5.197/67), dentre outras inúmeras leis estaduais e municipais que tutelam os animais.

8. ADVERTIMOS que o Projeto de Lei nº 27/18 não altera o Código Civil Brasileiro (conforme inicialmente dispunha a sua redação original no PL nº 6.799/2013) para reconhecer que “animal não é coisa” na esteira do que vem acontecendo em legislações estrangeiras, mas altera a lei penal ambiental (Lei Federal nº 9.605/98 que protege os animais dos maus-tratos) no artigo que trata da fiscalização ambiental (art. 79-B) em um desmonte da legislação de proteção animal com reflexos em todo o país, em consonância com o retrocesso ambiental em curso e em sintonia com as declaradas investidas do Governo Federal no sentido de liberação e legalização da caça esportiva de animais silvestres, fato de amplo conhecimento público.

9. ADVERTIMOS que, na hipótese de sanção do Projeto de Lei nº 27/18, não está automaticamente reconhecido a quaisquer espécies de animais o alcance a novos direitos, além dos já existentes nas legislações protetivas em vigor. Em termos práticos, os animais continuarão a ser comercializados (inclusive os cães e gatos), utilizados e tratados como coisas (objetos, bens) ambientais e, além disso, entendemos que reafirma a categoria de “coisas” às espécies não contempladas por este projeto de lei.

10. SALIENTAMOS que a justificativa apresentada no Projeto de Lei nº 27/18 é a de “afastar a ideia utilitarista dos animais” e não o utilitarismo em si (o uso propriamente dito dos animais), ou seja, o Projeto de Lei nº 27/18 não tem a intenção de afastar a objetificação dos animais. Logo, a afirmação de que os animais passariam à condição de titulares de direitos é, por dedução, incongruente. Os animais já possuem proteção e tutela do Estado e, portanto, o Projeto de Lei nº 27/18, em sendo aprovado, não terá eficácia prática protetiva e nem concederá novos direitos aos animais.

11. ADVERTIMOS que o Projeto de Lei nº 27/18, não tendo nenhuma eficácia prática que possa beneficiar, de fato, os animais, acabou por se desviar completamente de seus propósitos, transformando-se em uma manobra astuta da bancada ruralista para incrementar políticas de retrocesso na proteção animal e ambiental.

12. ENFATIZAMOS ainda que, devido aos inúmeros retrocessos ambientais que se avizinham neste momento político e institucional do país, a afirmação de que os animais possuem natureza jurídica “sui generis” (natureza “própria de seu gênero” em termos bastante vagos e imprecisos, conforme redação do Projeto de Lei nº 27/18), possivelmente abrirá um precedente extremamente perigoso na hipótese de sua sanção, na medida em que se abrirão portas para eventuais leis posteriores em prejuízo da proteção animal, com repercussões desastrosas no âmbito judicial e administrativo.

13. ADVERTIMOS que a redação constante no Projeto de Lei nº 27/18 de que somente alguns animais são seres sencientes e portanto, só estes merecedores de tutela do Estado, viola frontalmente a Constituição da República, promove o verdadeiro desmonte de todas as leis protetivas federais, estaduais e municipais e, por fim, enterra de vez a jurisprudência do STF que vinha sendo sedimentada no sentido da proteção animal (exceção ao julgamento do RE 494601 RS – sacrifício religioso), bem como viola a Declaração Universal dos Direitos dos Animais proclamada pela Unesco em 1978, indo na contramão dos estatutos jurídicos estrangeiros que não faz distinção de categorias e espécies de animais em evidente retrocesso jurídico em prejuízo da fauna.

14. ENFATIZAMOS que, com a sanção do Projeto de Lei nº 27/18, os cães e os gatos não adquirem absolutamente nenhum direito e proteção adicional além dos já existentes (vedação à crueldade e proteção legal quando sofrem maus-tratos), permanecendo na condição de “coisas” porque comercializáveis, reforçando exatamente aquilo que intenciona combater em sua justificação: a ideia utilitarista.

15. ADVERTIMOS que, além da inexistência de qualquer avanço ou eficácia prática na legislação e tutela protetiva brasileira, o Projeto de Lei nº 27/18, se aprovado, promoverá um colossal retrocesso na Proteção Animal Brasileira e, no nosso entender, prejudicará o desenvolvimento embrionário dos Direitos dos Animais no Brasil de modo que toda a fauna não contemplada estará absolutamente desamparada da proteção estatal e sem possibilidade de amparo jurisdicional, à mercê do pior.

16. ALERTAMOS que, com a aprovação do Projeto de Lei nº 27/18 por um Congresso Nacional eminentemente ruralista, os animais utilizados nas chamadas manifestações culturais terão sua “natureza jurídica” reafirmada como “coisas” de forma inexorável, eis que expressamente desabrigados da possibilidade de tutela jurisdicional, em flagrante processo de aprofundamento da ideia nefasta inserida na Constituição Federal pela Emenda Constitucional 96, cuja apreciação da constitucionalidade permanece ainda sob julgamento (ADI 5.728 e ADI 5.772). As portas do Judiciário se fecharão definitivamente para a defesa e proteção dos animais mais vulnerabilizados.

17. FRISAMOS e ADVERTIMOS ainda que o momento político atual não é o da conquista de novos direitos, mas o de impedimento de mais retrocessos que afrontam a Constituição da República, de modo a preservar os mínimos avanços conquistados pela Proteção Animal Brasileira junto às instituições do Estado.

Ante o exposto, SOLICITAMOS publicamente ao Excelentíssimo Senhor Deputado Federal Ricardo Izar (PP-SP) a RETIRADA DE PROPOSIÇÃO do Projeto de Lei da Câmara de nº 27/2018 no uso de sua prerrogativa parlamentar, com fundamento no artigo 104 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por não implementar ou viabilizar nenhum direito que produza eficácia imediata que possa ser somado aos já existentes em toda a Legislação Protetiva Nacional e por seu absoluto desvirtuamento no decurso de sua tramitação, trazendo risco de retrocessos gravíssimos para a Proteção Animal Brasileira e para o sistema protetivo constitucional.

Nós, Ativistas, Defensoras e Defensores Animalistas, CONVIDAMOS todas e todos à reflexão das questões apontadas e ASSUMIMOS o compromisso cívico de alertar todas e todos os integrantes da Proteção Animal Brasileira, Ativistas, Defensoras e Defensores Animalistas e simpatizantes da Causa Animal acerca do delicado momento político no Brasil e de defender os mínimos avanços conquistados pela Proteção Animal em todo o país e agasalhados na Constituição da República de 1988.

Brasil, 12 de agosto de 2019.

Movimento Nação Vegana Brasil

Saber Animal

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

3 respostas

  1. Muitíssimo bem argumentado.
    Uma observação: parece-me que o citado Decreto-Lei nº 24.645/34 foi revogado, não está mais em vigor.

  2. Antonio Brito, boa noite. O Decreto-Lei nº 24.645/34 foi recepcionado pela Constituição como lei ordinária naquilo que com ela é compatível, um instrumento importante na tutela dos animais.

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