Boi que fugiu do abate

Alguém gritou: “Segura! Segura! Pega! Pega ele!”

Tarde, a pele queimava e o boi corria por uma estrada nas imediações da Fazenda Ipiranga. Alguém gritou: “Segura! Segura! Pega! Pega ele!” O boiadeiro seguiu na treita do animal que ziguezagueava confuso. Parecia não saber o que fazer; mas não queria ceder. Era enorme. Mais homens foram atrás. Faziam círculos no ar com corda americana.

Na primeira tentativa, o peão da dianteira fez do laço um colar malquisto no pescoço do boi. Breve gemido. Outros quatro o laçaram e saltaram dos cavalos. Cinco homens e um esforço tremendo. Suas vontades não se comparavam a do boi – papel ao vento. Um deles bateu a cabeça contra um pedregulho e sangrou, sangrou. Nem levantou – só rolou. Outro peão recuou e a perseguição continuou.

“Você vai pro matadouro, bichão!”, gritou, levantando o punho e mostrando uma mão coberta por luva de couro. O boi parou e assistiu a movimentação levantando poeira em sua direção. Destemor. Os cavalos empacaram. Não queriam continuar. Gritos. Nada. Espora na carne? Sim, sangue dimanando. Nenhum efeito. É, os bichos se entendiam. Troca de olhares, comandos ignorados.

“Vambora, seu filho da puta!”, berrou um deles chicoteando o dorso do cavalo com tanta raiva que babava. O cavalo? Nem reagia, anestesiado, modorrado. Pés no chão. A situação mudou. O boi abaixou a cabeça, levantou e correu em direção aos peões. Mano a mano, cabeçada violenta no estômago. Lançou o primeiro em uma vala. Se juntaram para pegá-lo.

“Vou te furar, seu merda!”, berrou correndo o mais afoito. “Não faça isso, seu babaca! Se matar esse bicho aqui você vai pra rua!”, repreendeu o chefe dos peões. “Agora é uma questão de honra!” O boi nocauteou mais um – cabeça com cabeça. Descuido, canivete de castração no lombo.

O sangue vertia – ele não cedia. Arremessou o chefe dos peões contra uma árvore. Caiu sentado com as pernas abertas e a boca sangrando: “Suma da minha frente!” Fujão, nome dado em 1992, desapareceu na poeira da contenda. Adotado por Geraldo, filho de Seu Santo, faleceu com 27 anos – 25 distante da violência humana.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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