Boi não vive nem quando sobrevive

Foto: Imago Images

Um boi sobreviveu a um incêndio. O que você acha que aconteceu com ele? Sua sobrevivência foi celebrada? Ele foi libertado da exploração econômica em retribuição à sua luta pela vida? Viveu em paz até seus últimos dias? Não. Boi é um dos animais domésticos mais injustiçados pela humanidade, e o bovino desta história não é exceção.

Com queimaduras tratáveis pelo corpo, o animal já cansado deitou numa porção de pasto queimado e ficou ali. Entre um mugido e outro, meneava a cabeça – levantava, abaixava – não o corpo. Pelo parecia extensão do pasto e vice-versa.

Já não havia outros como ele por perto. Estava sozinho, com queimaduras mais destacáveis nas pernas traseiras, no lombo e na porção direita da cabeça. “Já está na validade. Perdeu bom valor de mercado.” É como se olhasse para um pedaço de carne queimada e o couro fosse tipo doloroso de milanesa.

Mas ainda tinha cabeça e consciência, e os olhos se mexiam e diziam. Por que não? É uma maneira de falar, de interpretar. Um animal tratado como mercadoria é sacrificado por pouco, sempre é. Não importa como olha nos olhos e se olha. Ainda trazia uma tira marcada na orelha esquerda, ilesa ao fogo – nem vida tinha. Como é persistente a materialidade da produtificação.

Não poderia fugir sem força. Tudo que possuía investiu na luta para não morrer queimado. O que dizer sobre essa senciência? E como você trataria alguém que sobreviveu a um incêndio do qual é grande vítima? Boi, “dependendo do prejuízo”, do “custo-benefício”, não é tratado, remediado, é executado com bala – entre os olhos.

O que pensar? Talvez a bala não saia, talvez guarde a arma e desista de matá-lo. Mas o mundo diz que “é só uma carcaça de carne vermelha”. Cabeça do boi caiu, mas você não vai ver. Pasto ainda não tinha esfriado – o único afago morno que receberia.

Morrer logo depois da luta para sobreviver é das coisas mais terríveis que se pode acontecer. A bala que destrói é disparada por uma arma segurada com uma mão, mas vem só dela? Não digo que sim, jamais diria…é que os pratos confirmam.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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