O que Brumadinho diz sobre a nossa relação com os animais

Bovinos são criaturas que ficariam satisfeitas em viver até os seus últimos dias simplesmente se alimentando, brincando, socializando com os seus, pastando e dormindo (Foto: Wilton Junior/Estadão)

Após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, logo nas primeiras notícias relatando não apenas a realidade das vítimas humanas, mas também das não humanas, surgiram diversos comentários de pessoas declarando que os animais não são tão relevantes quanto as pessoas. Algumas foram além, frisando que “um animal pode rapidamente ser substituído por outro”. Ou “que resgatar um animal pode atrapalhar no resgate de um ser humano”.

Por que há pessoas que tendem a colocar os animais em posição de antagonismo em relação ao ser humano? Por que essa crença de que em uma situação em que duas espécies estão sofrendo, não podemos nos sensibilizar com as duas? No caso de Brumadinho, por exemplo, desde o dia 25, após o rompimento da barragem da Vale, já havia um número maior de voluntários atuando em busca e resgate de sobreviventes humanos do que não humanos, o que é muito comum.

Ainda assim, algumas pessoas que viram outras atuando no resgate de animais olharam para a situação com maus olhos e julgaram. Não há justificativa pra isso, principalmente considerando que muitos animais estavam e estão lutando pela vida, o que reforça a urgência do resgate. Se você estiver diante de um animal e puder ajudá-lo, mesmo que não goste de animais, por que não tentar? Afinal, trata-se de uma vida, de uma criatura senciente e consciente que também deseja viver, não morrer.

No mundo real, não costumam surgir situações em que você está dentro de um barco com um cão e uma pessoa que não sabem nadar, os dois caem na água e você é obrigado a escolher quem salvar. O que mais temos são circunstâncias em que ajudar um animal não prejudica o resgate de um ser humano. Mas por que há pessoas que acreditam que prejudica? Porque o especismo está entranhado em nossa sociedade.

Há uma forte crença discriminatória que se baseia na ideia de que pelo fato do ser humano considerar outros seres inferiores, ele se coloca na posição de ignorar seus interesses por julgá-los como menores aos seus. Dessa forma, as mortes de animais, mesmo que injustificáveis e evitáveis, são naturalizadas como parte de uma realidade aceitável. Acredita-se que são facilmente substituíveis, e essa perspectiva atribui ao animal um valor que é o mesmo que damos aos objetos.

E quem mais sofre com isso são principalmente aqueles animais que reduzimos a alimentos, como os bovinos atolados na lama tóxica de Brumadinho. Afinal, muita gente os enxerga apenas como pedaços de carne. Porém, isso não muda o fato de que esses animais são criaturas que, embora criadas para consumo, ficariam satisfeitas em viver até os seus últimos dias simplesmente se alimentando, brincando, socializando com os seus, pastando e dormindo.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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