Comer animais, uma opção baseada na imposição

Não vejo como negar que quando comemos animais ou consumimos produtos baseados em animais, nos voltamos somente para nós mesmos (Fotos: Jo-Anne McArthur)

Quando uma pessoa é questionada sobre o motivo pelo qual alimenta-se de animais, é bem comum ela dizer que trata-se de opção, escolha. Quero dizer, parte-se da ideia de que o alimento de origem animal está disponível, logo basta optar por comprá-lo ou não, comê-lo ou não, de acordo com suas predileções. Seguindo essa premissa, é perceptível que há uma escolha condicionada à oferta.

Porém, se compramos e consumimos um alimento que foi gerado por um animal ou que custou a vida de um animal, sem dúvida, a nossa opção está atrelada à ausência de escolha do outro, uma desconsideração de seus interesses, logo uma arbitrariedade. Afinal, o consentimento é inexistente. Sendo assim, não há como negar que nossas opções ou escolhas existem como resultado do que impomos aos outros.

Morrer muito cedo não está entre os anseios de nenhum animal

Tal injunção comumente envolve condicionamento, supressão, privação, sofrimento e morte, já que é impossível, por exemplo, consumir partes de um animal sem que isso envolva violência e morte. E morrer muito cedo não está entre os anseios de um animal, mesmo que criado para atender interesses econômicos. Claro, interesses incentivados por um ávido mercado consumidor.

Não podemos negar que isso não se resume aos animais reduzidos a pedaços de carne. O mesmo pode ser dito sobre qualquer forma de exploração animal. Só para citar outro exemplo, pensemos na galinha e na vaca condicionadas a produzirem um número x de ovos e litros de leite por dia. Em que circunstância elas autorizaram a exploração de leite e ovos? Em que momento demonstraram que estão disponíveis para o nosso consumo?

Se nos apropriamos do que elas produzem, o fazemos porque queremos, certo? Assim o que importa são as nossas vontades; e essas vontades resultam de interesses fundamentados principalmente em condicionamento, herança cultural, hábitos alimentares e paladar. E tudo isso ajuda a fortalecer a ideia de que animais devem nos servir.

Falseamento da realidade sobre o comportamento animal

Afinal, não somos nós que os condicionamos às nossas expectativas? Não somos nós que os modificamos geneticamente para que correspondam aos nossos interesses econômicos e alimentares? O fato de não haver um código de comunicação em comum também reforça a crença na ideia de que comer animais é “questão de opção”.

Isto porque a não verbalização favorece o falseamento da realidade sobre o comportamento animal e suas correlações com o meio e com outras espécies quando o que está em jogo são os nossos interesses econômicos e alimentícios. Um exemplo disso, quem nunca viu um animal sofrendo e, de repente, alguém tentou justificar que isso não era verdade? Valendo-se da asserção que envolve a subjetividade da comunicação não humana.

Não vejo como negar que quando comemos animais ou consumimos produtos baseados em animais, nos voltamos somente para nós mesmos. Ou seja, para os nossos interesses. O que existe sou eu, a minha vontade imperativa, e o que deve prevalecer é o meu desejo que abrenuncia tudo que não diz respeito à minha individualidade, ao meu prazer, à minha satisfação por mais efêmera que seja.

Opção que não existe sem que alguém seja privado de escolha

Um sujeito, por exemplo, que analisa um menu de uma lanchonete e escolhe um x-bacon, está optando por um alimento em vez de outro; e o seu rol de opções se limita à disponibilidade naquele cardápio. Ele não vai ponderar que sua opção não existiria sem que alguém fosse privado de uma escolha.

No entanto, para que ele possa consumir aqueles pedaços de bacon no lanche, um animal teve de morrer, considerando o óbvio – que bacon são tiras extraídas da barriga de um suíno. O seu favorecimento está no fato de que ele não precisa testemunhar todo o processo que envolve a morte do porco, e a redução de partes do seu corpo a tiras de bacon.

Defesa consciente ou inconsciente da arbitrariedade

Tudo está ao seu alcance de forma palatável, atrativa, simplificada e até mesmo romântica, bastando apenas consumi-lo; sem nem mesmo a necessidade de direcionar os seus olhos para o que come, já que o paladar é facilmente satisfeito por um estímulo sensorial baseado no aroma e no sabor. São exemplos como esse que perenizam a capciosa ideia de que alimentar-se de animais é “questão de opção”.

É muito fácil defender essa ideia quando não temos qualquer contato com a impossibilidade de escolha que compõe o cenário inclemente e prosaico da realidade animal não humana. Sendo assim, quando falamos em consumo de alimentos ou produtos de origem animal enquanto opção, escolha, estamos também deixando claro que não interessa a ausência de escolhas que não dizem respeito a nós. Em síntese, subsiste uma defesa consciente ou inconsciente da arbitrariedade e da iniquidade em relação à vida animal não humana.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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