Como “Drácula” foi inspirado em um vegetariano

Alguns pesquisadores afirmam que o Drácula de Bram Stoker domina e consome seres humanos à medida que o homem domina e consome mulheres, animais e o meio ambiente (Arte: Aidan Hickey)

Autor de três livros de contos, quatro livros de não ficção e 12 romances, o escritor irlandês Bram Stoker, contemporâneo de Oscar Wilde, sempre teve o seu nome associado à sua obra mais famosa – “Drácula”, publicada em 1897. Embora hoje o livro seja conhecido no mundo todo, a obra não trouxe fortuna ou sucesso ao autor dublinense. Nos seus últimos anos, ele ganhou tão pouco escrevendo que teve de recorrer ao Fundo Real Literário, segundo Paul Murray na biografia “From the Shadow of Dracula: A Life of Bram Stoker”, de 2004.

Bram Stoker encontrou um filão literário nas lendárias, sombrias e aterrorizantes histórias do século 18 e da primeira metade do século 19, quando contos sobre vampiros vieram à tona. Isso o motivou a trabalhar à sua maneira os mesmos elementos explorados por Byron, Polidori, Goethe, Coleridge, Southey e Dumas. Na literatura inglesa, o primeiro romance sobre o tema foi “The Vampyre”, do escritor inglês John Polidori, lançado em 1819.

A história, que chegou a se popularizar por curto período sob o equivocado título “A Tale By Lord Byron”, surgiu por acaso quando Polidori estava hospedado na casa de férias de Lord Byron na Villa Diodati, nas imediações do Lago de Genebra, na Suíça. Como choveu muito ao longo de três dias, Byron e seus convidados – Polidori, Claire Clairmont, Percy Bysshe Shelley e Mary Wollstonecraft Shelley – decidiram passar o tempo contando histórias.

Ao final, o desafio era escrever um conto baseado nos relatos aterradores que compartilharam. Byron e o casal Shelley eram vegetarianos, o que era comum entre pensadores e escritores do Período Romântico. Vale destacar que Percy Shelley é considerado um dos nomes mais importantes do vegetarianismo britânico do século 18 – condenando não apenas a alimentação baseada na violência contra animais, mas também outras formas de exploração de seres não humanos – conforme informações do ensaio “A Vindication of Natural Diet”, de sua autoria, publicado em 1813; e do livro “Percy Bysshe Shelley: A Monograph”, de 1887, de Henry Salt.

Influenciado por um encontro de escritores vegetarianos 

Durante a estadia na residência de Lord Byron na Vila Diodati, Polidori escreveu em apenas três manhãs a sua novela vampiresca inspirada no anfitrião e na narrativa de “Fragment of a Novel”, de Byron, publicada em 1816. Naquele tempo, Lord Byron criticou os excessos da burguesia na matança e comilança de animais; reação que foi poetizada em um excerto de “Canto XVIII”, de “Don Juan”, de 1824.

Já Mary Wollstonecraft produziu a partir daquele encontro a obra que se tornaria uma das mais influentes da literatura gótica – “Frankenstein, de 1818.  No livro, Mary moldou um anti-herói vegetariano que nada mais é do que o ser humano em seu estado mais impermisto. A maior prova disso é que ainda isento dos vícios da civilização, o monstro vive na floresta, onde se alimenta estritamente de bagas e oleaginosas, não de carne, já que ele não vê sentido nem necessidade em matar animais para se alimentar.

Décadas mais tarde, Bram Stoker , influenciado pelo resultado de um encontro de escritores vegetarianos em 1818, na Villa Diodati, às imediações do Lago de Genebra, encontrou especialmente na história de Polidori, inspirada em Byron, uma inspiração para “Drácula”, de acordo com “Vampyres: Lord Byron to Count Dracula”, de Christopher Frayling, lançado em 1992.

Isso significa que o famoso personagem da cultura popular mundial foi inspirado em um controverso poeta britânico que à época não consumia animais, já que segundo a biografia “Life of Lord Byron: with his letters and journals”, de Thomas Moore, em uma carta com data de 1811, Byron relatou que havia se tornado vegetariano anos antes.

Homoerotismo em Drácula 

Pesquisadores como J. Stavick, autor de “Love at First Beet: Vegetarian Critical Theory Meats Dracula”; Cameron S. Brooke e Suyin Olguin, autores de “Consuming Appetites and the Modern Vampire”; e David Del Principe, autor de (M)Eating Dracula: Food an Death in Stoker’s Novel”, em uma exegese mais abrangente, política e ousada, afirmam que o Drácula de Bram Stoker domina e consome seres humanos à medida que o homem domina e consome mulheres, animais e o meio ambiente em uma Inglaterra já submissa à Primeira Revolução Industrial.

Há biógrafos que argumentam que, além de Lord Ruthven (Lord Byron) de Polidori em “The Vampyre”, o escritor irlandês também levou para a literatura as suas insatisfações pessoais, como a sua velada homossexualidade, também partilhada por Wilde, considerando que “Drácula” foi influenciado pelo relacionamento complexo e conturbado de Bram Stoker com o famoso ator inglês Henry Irving, de quem foi amigo e agente.

Quem lê o livro com atenção percebe que “Drácula” manifesta uma transferência homoerótica, além de exercício de domínio e possessividade – como na passagem em que Drácula “protege” o personagem Jonathan Harker contra três mulheres e anuncia:

“Este homem pertence a mim!”, que, assim como inúmeras passagens, sustenta a perspectiva do vampiro de tê-lo numa relação de subserviência implicitamente sexual e existencial. O homoerotismo de “Drácula” não é nenhuma novidade entre pesquisadores da vida e obra de Bram Stoker.

Barbara Belford escreveu a respeito na biografia “Bram Stoker: A Biography of the Author of Dracula,” de 1996; assim como Brigitte Boudreau em “Libidinal Life: Bram Stoker, Homosocial Desire and the Stokerian Biographical Project”, de 2011; e David K. Skal em “Something in the Blood: The Untold Story of Bram Stoker, the Man Who Wrote Dracula”, de 2016. Claro, além de outros diversos autores e pesquisadores.

Saiba Mais

Importante nome da literatura da era vitoriana, Bram Stoker nasceu em Dublin, na Irlanda, em 8 de novembro de 1847 e faleceu no dia 20 de abril de 1912 em decorrência de sífilis terciária.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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