Como sofrem as galinhas

Ilustração: Jane Lewis

Observava uma enorme pilha de bandejas de ovos no supermercado. “É muito ovo. Quantas galinhas botaram tudo isso?” Já não comia ovo há anos. Desistência veio quando encontrou galinha caída atrás de uma granja. Faleceu pouco depois em consequência de “peritonite do ovo”.

“Oviduto se desintegrou e o material do ovo começou a apodrecer dentro dela até morrer. É muita pressão acumulada. Era de raça que criavam pra botar mais de 300 por ano.” Pensava na expressão de dor da galinha sempre que via tantas bandejas de ovos.

“Caída num canto, como se fosse coisinha descartável, um corpinho amiudado pela miséria, que é nossa, e as penas raleando. Tantos ovos saíram dali. Foi tirada da gaiola só pra morrer, e sozinha, largada. É um tipo estranho de gratificação, não?”

Um rapaz passou do seu lado e colocou cinco bandejas com 30 ovos cada dentro do carrinho. “Por que o consumidor é tão mecânico?” Ah! E só não foi abatida porque estava bem doente e concluíram que a carne não compensava a viagem ou que talvez nem resistisse. “Sim, o que poderia ser prejuízo ou perda de tempo, porque estaria ‘roubando’ o lugar de uma galinha de descarte ‘mais carnosa’.”

Viu sutis manchas de sangue nas cascas de alguns ovos, talvez imperceptíveis aos outros. “Isso pode significar tantas coisas, mas deixo que tire sua conclusão.” Não demorou para a pilha perder metade do tamanho. Será que quem os botou ainda vive? “E se vive, será que resta-lhes quanto tempo antes da degola?” Essas galinhas têm corrente no pé.

Olhando para os ovos, refletiu sobre o que tiramos delas. “Sim, ovo é uma porção de energia e nutrientes que roubamos da galinha ao manipular sua ovulação subjugada ao nosso sistema e vontade. Como seria ter uma vida reduzida a botar e botar?”

De repente, alguém derrubou uma bandeja de ovos da pilha, escorrendo por muitas outras. Expressão dos consumidores era de nojo, reprovação, como se não comessem aquilo, como se fosse algo estranho aos seus paladares.

Fechou os olhos e imaginou que a pilha transformou-se em galinhas poedeiras engaioladas, e que a repulsa não era pelo ovo, mas pela violação das aves. “Um dia, que não seja tão distante…”

Gosta do trabalho da Vegazeta? Colabore realizando uma doação de qualquer valor clicando no botão abaixo: 




Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *