Descartando pintinho macho na granja

Ilustração: Lindsay Leigh

Achou que trabalharia como auxiliar de serviços gerais em uma granja de ovos, mas precisavam de alguém na maceração mecânica. Apesar da surpresa, aceitou sem saber o que isso significava. “É melhor que continuar desempregado.”

Abriram a porta de um galpão com temperatura controlada e testemunhou a eclosão de milhares de ovos incubados. Um encarregado disse que ele deveria ajudar os outros na sexagem dos pintinhos e explicou o processo. Pelo menos metade eram machinhos. “Esses aí a gente descarta.” “O que é descartar?”

“Seu trabalho é ali ó.” Em outro espaço anexo ao galpão havia um equipamento espelhado com esteira. Ligaram a máquina e colocaram três pintinhos para testar – em segundos foram triturados e caíram no compartimento que mais parecia um grande cesto de lixo.

“Eles caem no lixo?” “Não, no compartimento. “Ok…” Ficou chocado com o que viu, mas silenciou. Não queria confusão nem ficar sem trabalho. Quando chegou em casa, sentou no sofá e não levantou por horas.

“Tudo isso que aconteceu hoje foi real? Participei mesmo disso? Nem sabia que matavam pintinhos em granja. Aí você descobre que macho morre porque não bota ovo e não dá frango bom.”

Lembrou do antes e depois. “Tão pequenos, tão saudáveis e tão cheios de vida. De repente, é um tratratra do mal. Mortos, sem saber de onde saíram, e mal abriram os olhos. Vira uma coisinha esquisita que ninguém fala que era pintinho.”

Pensou em bebês assassinados após o nascimento. “Como posso voltar lá?” Mas voltou, e voltou de novo e sempre que precisaram. “Não posso deixar esse serviço”, repetia. Ao saber que não havia chance de a granja substituir aquele sistema, conversou com o encarregado e pediu que o deixassem sempre que necessário na maceração mecânica.

Após alguns anos, contraiu gripe aviária na granja e faleceu. Mais tarde, descobriram que salvou cerca de 1,2 mil pintinhos, carregando-os em bolsas, bolsos e na barra da calça enfiada dentro da galocha. Havia um bilhete na carteira: “A gente faz o que não pode pra reconhecer o que pode.”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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