Direitos animais não são sobre privilégios para não humanos

Embora a nossa sociedade esteja imersa em desigualdades, acredito que aqueles que menos têm voz são os animais não humanos (Fotos: Jo-Anne McArthur)

Não é difícil encontrar pessoas, principalmente em redes sociais, tentando fazer com que outras pessoas associem a defesa dos direitos animais com a espúria ideia de que isso significa lutar por privilégios para animais não humanos em detrimento dos humanos.

Há pessoas que dedicam tempo a propalar esse tipo de equívoco, não sei se por desinformação, preguiça ou má-fé. Importar-se com os animais não humanos requer um tipo de consciência dissemelhante, de empatia não especista, de olhar para o outro e querer ajudá-lo mesmo sabendo que ele não pode te beneficiar. Afinal, trata-se de lutar por quem não tem voz.

Animais não humanos são os que menos têm voz

Embora o mundo esteja imerso em desigualdades, acredito que aqueles que menos têm voz são os animais não humanos, já que não partilham do mesmo código comunicativo que nós, logo não podem reclamar; e suas queixas podem ser dissimuladas. Sendo assim, estão em grande desvantagem desde que deliberamos que eles existem para o nosso uso e abuso. As piores consequências surgiram após a Segunda Revolução Industrial, quando, além de antes privados do reconhecimento enquanto seres sencientes com necessidades específicas, foram reduzidos ainda mais a itens de consumo.

Hoje, considerados bens móveis em muitos contextos, continuam sendo explorados e mortos aos bilhões a cada ano apenas a partir da pecuária. Normalmente, o estado de miséria não humana passa despercebido porque a dissimulação é ainda mais ingente do que aquela que impomos aos seres humanos que também estão imersos em miséria. Exemplo disso?

Muitas pessoas reconhecem com facilidade o sofrimento humano em qualquer situação, mesmo que isso não desperte nelas um pressuroso anseio em ajudar. No caso dos animais não humanos, é comum não apenas a ausência ou alheamento da empatia como também o endosso da cadeia de negação. A maioria recusa-se a racionalizar o sofrimento animal não humano mesmo que por instante; é como se não existisse, fosse apenas fantasia.

Luta pelos direitos animais é urgente

Isso explica também por que a luta pelos direitos animais é urgente; porque os animais não são reconhecidos nem mesmo como sujeitos de uma vida, ao contrário dos seres humanos, por pior que seja a situação. Até porque, qualquer atentado à vida humana, independente do que venha a acontecer, se alguém há de ser sentenciado ou não por suas ações, será considerado um crime ou há de gerar algum tipo de comoção com a divulgação do episódio – se não em território nacional é provável que em âmbito internacional.

Vivemos em um período em que as leis de maus-tratos aos animais ainda são tão subjetivas e defasadas que uma pessoa pode comprar um boi, levar para casa, torturá-lo e matá-lo. Se depois ele servir de alimento para um grupo de pessoas pode haver até mesmo uma total desconsideração em relação à ação anterior; e o algoz talvez seja visto como um benfeitor.

Outro equívoco que aponto no discurso que tenta superficializar a luta pelos direitos animais é que muitos daqueles que conheço que tornaram-se vegetarianos ou veganos são pessoas que não aceitam as injustiças e não as veem como parte de uma realidade justificável, em que os “fins justificam os meios porque são inerentes à vida” e cabe a nós ignorá-las.

Consciência imanente de justiça social

Sendo assim, a não aceitação da exploração animal tem relação com uma consciência imanente de justiça social. “Só se preocupa com os animais enquanto muitas crianças passam fome.” Afirmações como essa são temerárias e recaem no erro comum da propalação de rasas ou obtusas prenoções e observações.

Usar isso de forma genérica para deslegitimar a luta pelos direitos animais é essencialmente desacertado e tem um viés capcioso, ainda mais se parte de alguém que não realiza trabalhos sociais com crianças famintas. Ademais, lutar por um algo não desqualifica outro algo. Sou da opinião de que devemos reconhecer o valor de cada ação em benefício de alguém.

Uma pessoa pode optar por lutar apenas pelos direitos animais por diversos fatores, mas isso não é regra. Ademais, se manifesta antagonismo em relação a esse tipo de injustiça (que é privar os animais de direitos), ela já está cumprindo um papel social que sem dúvida nenhuma é muito mais relevante do que o daquele que critica sem engajar-se em nenhum tipo de causa que beneficie vidas.

Pré-conceitos e preconceitos em níveis alarmantes 

Quando fala-se então em legislação e políticas públicas voltadas aos direitos dos animais, pré-conceitos e preconceitos surgem a níveis alarmantes, e como consequência de maus hábitos, desinformação e obscurantismo. Vejo isso também como um sintoma do apedeutismo, já que causas a favor da vida não concorrem entre si, logo é especioso afirmar o contrário.

Se alguém diz que temos assuntos mais urgentes a tratar do que a questão animalista, não reconheço coerência em tal afirmação. Afinal, tudo que envolve as ações humanas e suas consequências não apenas para nós, mas para as outras espécies que exploramos e violentamos, é de grande premência à vida na Terra.

Não vejo sentido em rivalidades desnecessárias que visam desmerecer uma causa porque do alto de nossas predileções individuais não nos interessa porque não são sobre nós, mas sim sobre outras espécies. Todo tipo de exploração é tema de grande urgência se envolve vidas imersas em um universo medonho e displicente de desconsideração. E nessas horas, o mais importante é um outro olhar.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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