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O carpinteiro que deu origem ao movimento vegano

“[Quando eu morrer] haverá um funeral, um punhado de pessoas e os espíritos de todos os animais que nunca comi” (Acervo: Vegan Society)

Não é possível dizer até que ponto o carpinteiro britânico Donald Watson é conhecido no mundo todo. Nem ele tinha ideia se muitas pessoas sabiam ou não quem ele realmente era, até porque nunca se importou tanto em receber qualquer crédito. No entanto, Watson foi o responsável pela criação do termo “vegan” e pela fundação da Vegan Society, entidade que definiria os objetivos do veganismo a partir da década de 1940.

Donald Watson nasceu em Mexborough, South Yorkshire, em 2 de setembro de 1910. Sempre que concedia alguma entrevista, ele fazia questão de dizer que as primeiras lembranças de sua infância remetiam às férias na fazenda do seu tio George. “Todos ‘davam’ algo: o cavalo puxava o arado, as vacas ‘davam’ leite, as galinhas ‘davam’ ovos e o galo era um útil ‘despertador’. As ovelhas ‘davam’ lã, mas elas pareciam criaturas tão amigáveis – sempre contentes em me ver. Então chegou o dia em que um dos porcos foi morto. Ainda tenho lembranças vívidas de todo o processo – incluindo os gritos, é claro”, relatou a George D. Rodger, autor do livro “Vegan Passport”, em 15 de dezembro de 2002.

Watson ficou chocado quando viu que seu tio George, a quem tinha em alta estima, fazia parte da equipe de abate. Aquele cenário bucólico que marcou sua infância passou a ser visto por ele como um corredor da morte, onde criaturas inocentes eram executadas quando suas vidas já não tinham valor para os seres humanos. E diante desse sentimento, Donald sentiu-se sozinho porque seus pais, avós, 22 tios e tias, seus 16 primos, professoras e até o vigário reconheciam aquela prática como “natural”.

“Eu tinha 14 anos [quando me tornei vegetariano]. Fiz uma resolução de Ano Novo de não comer carne ou peixe novamente [em 1924]. Eu não conhecia outro vegetariano na cidade onde eu vivia. Em pouco tempo, meu irmão e minha irmã tornaram-se vegetarianos. Eu me sentia bem. Nós não fumávamos nem consumíamos álcool também”, disse em entrevista ao editor da VegNews, Joe Connelly, em 1995.

Quando saiu da escola aos 15 anos, se tornou aprendiz de carpinteiro de um de seus tios, até que aos 21 anos viu a Inglaterra amargar as consequências da Grande Depressão, considerada a maior recessão econômica do século 20. À época, Watson descobriu que ele poderia atuar como professor de carpintaria, bastando apenas ser aprovado em um exame de qualificação da City and Guilds, sediada em Londres. “Gostei tanto do trabalho que nunca tentei obter qualquer tipo de promoção”, informou.

Depois de tornar-se professor aos 20 anos, ele deu aulas em Leicester e ingressou na Leicester Vegetarian Society. Um amigo permitiu que Watson usasse um de seus terrenos para fazer uma horta, até que conseguiu um emprego em Keswick, além de uma casa com um acre de jardim – um sonho tornado realidade. “[Como já fazia naquela época] Meus baldes de compostagem estão [sempre] cheios de todos os tipos de ervas daninhas, mudas de relva, resíduos vegetais de jardim e folhas mortas – não há estrume animal. A propósito, toda minha escavação é feita com garfo, não uma pá, porque quero preservar as minhocas”, declarou a George D. Rodger em 2002.

Depois de lecionar carpintaria por três anos, fixou residência em Cúmbria, no Norte da Inglaterra. Donald Watson se casou com Dorothy, uma jovem gaulesa que o ensinou um ditado que faria toda a diferença em sua vida: “Quando todo mundo estiver correndo, fique parado.” E foi o que ele fez. “Há tantas pessoas correndo para o que eu vejo como um suicídio, seguindo hábitos perigosos. Sempre acreditei que o maior erro do homem é tentar transformar-se em carnívoro, contrariando a lei natural”, criticou.

Em agosto de 1944, Watson reuniu cinco vegetarianos estritos, incluindo sua esposa Dorothy, no Attic Club, em High Holborn, Londres, para discutir sobre a criação da Vegan Society, uma entidade fundada em novembro do mesmo ano e que teria como objetivo defender e divulgar uma filosofia de vida totalmente contrária à exploração animal. Watson se incomodava com o fato de que muitos vegetarianos da época se alimentavam de ovos e laticínios.

A sua iniciativa gerou controvérsias. Inclusive algumas pessoas declararam à época que não acreditavam que ele sobreviveria seguindo o que eles consideravam uma “dieta tão restrita”. No editorial da primeira edição do boletim informativo “Vegan News”, editado pela Vegan Society, ele escreveu:

“Podemos ver claramente que a nossa civilização atual foi construída sobre a exploração animal, assim como as civilizações passadas foram construídas sobre a exploração de escravos, e acreditamos que o destino espiritual do homem é tal que, com o tempo, veremos com horror a ideia de que homens foram alimentados com produtos baseados nos corpos dos animais.”

Watson dizia que caso ele não tivesse fundado a Vegan Society, provavelmente outra pessoa teria feito isso, embora talvez com um nome diferente. Mesmo tendo boas expectativas em relação ao veganismo, o professor de carpintaria não chegou a imaginar que um dia quase todos os dicionários do mundo incluiriam a palavra “vegan”, uma versão reduzida de “vegetarian”. “Ela tornou-se parte da nossa linguagem”, comemorou em entrevista a George D. Rodger em 2002.

Questionado em 1995 pelo editor Joe Connelly, sobre a inspiração para o termo “vegan”, Donald Watson sorriu e brincou que foi um “fio de inspiração que veio do ar e se chocou contra ele”. “Pensei bem, VEE-gan, isso é uma palavra forte. A única crítica que recebi foi de um sujeito proeminente no movimento vegetariano – Jon Wynne-Tyson [escritor e ativista]. Ele dizia que não gostava porque soava como se fosse [uma referência a] habitantes de outro planeta”, relatou.

Para Watson, a sua maior realização foi ter o privilégio de ter servido como um instrumento no início de um grande movimento que, segundo ele, deu mostras de que tem condições de mudar o curso das coisas para a humanidade, permitindo que os seres humanos tenham maiores chances de sobrevivência e possam viver por muito mais tempo.

“Watson expandiu sua filosofia de se opor a qualquer dano às criaturas vivas. Um pacifista comprometido ao longo de sua vida, Watson registrou sua objeção consciente à Segunda Guerra Mundial”, escreveu Jenny Booth no The Times, de Londres, em 8 de dezembro de 2005. Seu irmão e sua irmã também tornaram-se veganos e se manifestaram contra a guerra.

Embora nunca tivesse sido profundamente religioso, o fundador da Vegan Society se considerava agnóstico, e defendia que se Jesus Cristo era um essênio, como afirmam alguns teólogos, ele era vegano. “Se ele estivesse vivo hoje, seria um propagandista vegano, espalhando a mensagem da compaixão”, declarou a George D. Rodger.

Donald Watson, viveu os seus últimos anos de vida em Cúmbria, atuando como guia turístico e dedicando-se à produção de vegetais orgânicos, segundo informações do artigo “Donald Watson – Founder of veganism and the Vegan Society”, de Phil Davison, publicado em 24 de novembro de 2005. “Inevitavelmente, suponho que, nos próximos dez anos, não poderei acordar. E então? Haverá um funeral, um punhado de pessoas e, como [George Bernard] Shaw previu para o seu próprio funeral, haverá os espíritos de todos os animais que nunca comi. Nesse caso, será um grande funeral”, inferiu. Donald Watson faleceu aos 95 anos em 16 de novembro de 2005.

Referências

https://www.vegansociety.com/sites/default/files/DW_Interview_2002_Unabridged_Transcript.pdf

http://ukveggie.com/vegan_news

Davison, Phil. Donald Watson – Founder of veganism and the Vegan Society. The Independent. Londres (24 de novembro de 2005).

Booth, Jenny. Donald Watson. The Times. Londres (8 de dezembro de 2005).

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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