Em “Sede Assassina”, homem vira vegetariano ao trabalhar em matadouro

“Sede Assassina”, do argentino Damián Szifron, é um filme sobre a perseguição a Dean Possey (Ralph Ineson), um mass murderer, mas que também aborda a exploração animal, já que Dean é vegetariano e sua motivação para ser vem de uma experiência trabalhando em um matadouro.

“Uma manhã, depois de trabalhar a noite toda, refiz os passos da vaca. Comecei no setor de hambúrguer, depois [vi] o abate. Vi vacas sendo esfoladas e partidas ao meio. [Vi] vacas tendo a cabeça perfurada. Aí segui o caminhão até a fazenda. Pulei a cerca, fui até o lago e lá estavam elas, magníficas. Pareciam estar gratas pela vida. Não queriam mudar, não queriam evoluir. Só queriam estar ali, respirando”, narra Dean.

O filme não mostra o momento da matança nos matadouros, mas o resultado da violência, no que é reduzida a vida antes apresentada na forma de animais que trocam calor, aconchegam-se, mugem e são submetidos a um banho de aspersão, que não é pelo animal, e sim pelo que se deseja arrancar do animal.

Em referência à velocidade com que a vida é descartada, logo há corpos desfigurados, esfolados, privados de partes, do sangue que fica nas máquinas, da brancura que cobre a carne sem pele, de serras que partem-nos ao meio, e ao fundo um lamento musical. O depois faz pensar no antes, na implicação da destruição.

O tempo todo o antes é o depois e vice-versa, numa alternância sem fim de violência. Há cabeças sem pele e olhos ainda fixados em crânios, como se nos perscrutassem. O olho evoca a vida removida. Lang, um homem para quem Dean já trabalhou, havia confirmado que ele não come nada de origem animal.

Dean é pela não violência, mas um dia decide valer-se da violência, em rejeição ao que, segundo ele, já não é negociável. Seus tiros são limpos e chegam a ser chamados de “humanitários”. Pode haver nisso uma mensagem de intercâmbio de violências se uma banalização torna outra banalização mais facilmente praticável, mesmo que por oposição.

Dean Possey critica a exploração, o capitalismo, e numa percepção que parece emprestada dos românticos, vê nos animais mortos por lucro e consumo uma simplicidade que falta enquanto desígnio social: “Quero espaço, quero tempo. Eles querem coisas materiais.”

O filme está disponível no Prime Video.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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