Com uma jornada de trabalho que ultrapassava até 50 horas por semana e salário de R$ 1,5 mil por mês, Laura Aparecida Falcão trabalhou cerca de 14 meses na degola de frangos em uma avícola no Noroeste do Paraná, região de alta produção de carne de frango.
“Entrei em dezembro de 2019. Eu tinha que degolar 30 frangos por minuto”, conta Laura, que passou mal durante o treinamento ao testemunhar aves sangrando de ponta-cabeça e se debatendo de forma simultânea na nória.
“É tão rápido que você começa a querer acreditar que não existe vida ali, mas você sabe que existe. Daí, conforme os frangos vão passando, é estranho ver aquelas cabecinhas moles, sem vida, e aqueles olhos já vazios”, comenta.
E continua: “Frango parece mais frágil ainda depois de morto, porque é como um corpo sem sustentação, que perde firmeza, e já não tem nada ali além da carcaça.”
Laura diz que vomitou no primeiro dia de trabalho e que por muito tempo teve dificuldade para se alimentar quando chegava em casa. “No serviço, fiquei sem reação no começo, tentando processar tudo que vi. Quando você vê pela primeira vez o choque é grande porque é uma coisa que parece absurda de tão violenta. Aí depois não deixa de ser, mas começa a parecer que não é, porque você vai aceitando ou finge que aceita e tenta evitar se preocupar.”
Não quis mais comer frango
Questionada se já tinha visto frango ser abatido antes de trabalhar na avícola, ela disse que não. “Quando criança, vi meu vô matar galinha, não frango. Foi uma coisa horrível, mas não chega nem perto da experiência de você ver tanto bicho morrendo numa avícola, e a gente que trabalha lá que mata.”
Laura relata que suas mãos tremiam na primeira semana, mas fazia o que podia para que isso não fosse percebido. “Sou de um lugar onde muitas pessoas trabalham em avícola e matadouro, então acaba virando um destino comum pra gente.”
Degolar tantos frangos, ver seus olhos, suas expressões e ter isso como parte da rotina fez Laura perder o interesse por qualquer produto derivado de frango. “Até hoje não como nada que venha de frango, nada mesmo, e isso começou nessa época. Não gosto nem do cheiro. Fora que lá é comum achar estranho um frango crescer tão rápido em pouco tempo. Não acho que seja uma coisa boa em qualquer sentido, e muita gente que trabalha com isso concorda.”
Os frangos que Laura degolava tinham idade a partir de 30 dias. “Não sei quantos eu cheguei a degolar num mês, mas foram muitos e é estranho saber que em tão pouco tempo tem tanto frango nascendo e morrendo. E parece que o abate só aumenta, nunca diminui. Em tempo de crise, a gente sabe também que cai o consumo de boi e sobe o de frango.”
“Parece bom dizer que meu ganha-pão vem da degola de frango?”
Sobre a insensibilização ou estresse térmico, ela relata que os frangos recebiam descarga elétrica em água salina, mas que não acredita que isso realmente seja 100% eficaz. “Um frango enrijecido, com corpo duro, quando chega pra ser degolado é o que sofre mais porque significa que o atordoamento elétrico não funcionou. Mesmo quem trabalha na degola não sabe até que ponto isso funciona, mas é difícil acreditar que o animal não sinta nada quando é degolado. E ele não pode fazer muita coisa porque o choque causa um impacto no corpo dele, né? Só que continua preso de ponta-cabeça, sem chance de fugir, e você só precisa degolar”, ressalta Laura.
“A posição do peito, das asas…tem reação que a gente consegue imaginar o estado do animal, mas não tem como ir além disso, de apenas achar. Eu não acredito em abate em que o animal não sinta nenhuma dor. Acho que só deixa de sentir qualquer coisa quando morre mesmo. Não é difícil perceber isso lidando todo dia com eles.”
Laura conta que começou a desenvolver lesão por esforço repetitivo (LER), mas que a maior motivação para sair da avícola foi querer dar um exemplo melhor para os filhos – hoje com quatro e cinco anos.
“Um dia imaginei o que eles diriam se alguém perguntasse o que a mãe deles faz, porque eles não sabiam mesmo. Parece bom dizer que meu ganha-pão vem da degolar frango? Acho que matar animais não é exemplo bom pra nada e você começa a pensar que tipo de impacto isso pode ter na sua vida. Pelo menos no meu caso foi assim. Percebi que eu precisava buscar outro caminho e foi o que fiz. Não digo que estou muito bem, mas posso dizer que estou melhor do que naquela época.”
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Uma resposta
É interessante ouvir os relatos das pessoas que desistiram por sentirem que aquilo não está certo. Vemos que, além de serem mortos, os bichinhos têm partes de seus corpos nomeados e com divisórias, um exemplo é pedir um quilo de picanha, que é uma parte da coitada da vaquinha que sofreu anos e anos e tem seu corpo visto como um simples produto.