Açougue sem carne

Pintura: Lisette Rotman

Diante do balcão, Luiz acenou para Nino e pediu um quilo de coxão mole. Não tem, o senhor me desculpe. Como assim? Nunca faltou coxão mole aqui. Então me vê alcatra. Também não tem. Pode ser patinho. Também não.

O que você tem de carne aí, afinal? Nada. Nada? Isso mesmo. Então por que diabos o açougue está aberto? Aqui vai ser açougue ainda, mas sem carne. A gente iria fechar até receber a mercadoria, mas o patrão mandou deixar aberto, pra freguesia ir se acostumando. Se acostumando com quê? Com a falta de carne.

Você é louco? Açougue sem carne não é açougue. Vossa opinião. Como? Isso mesmo.
Isso não existe, amigo. Nunca me acostumaria com isso. Onde já se viu açougue sem carne? Se o senhor diz, mas tem gente que não está reclamando da mudança. Eu não sou os outros.

Logo mais chega bastante variedade de frutas, legumes, verduras. O senhor gosta de batata beauregard? Chega hoje mesmo. E daí, amigo? Por acaso, eu lá quero saber disso?
Mais opções para o seu paladar, para a sua saúde e para a saúde dos bichos. Você acha que tenho cara de quem vai parar de comer carne?

Aí não sei. Cara não costuma dizer muita coisa, a não ser quando alguém abre a boca, né?
Você tá de sacanagem comigo, rapaz! Você acha que sou coelho pra comer folha? Não, mas dizem que é boa fonte de minerais, fibras e vitaminas. Não interessa! Não vim aqui pra isso.

Meu negócio é carne, proteína de verdade! Olhe, rapaz, diga ao seu patrão que nunca mais piso os pés aqui. Vocês perderam um cliente de longa data. Nino assistiu a partida do freguês enquanto uma de suas mãos percorria o balcão com uma flanela.

Luiz hesitou por instante. Parou sobre a soleira, bateu com zanga a sola da botina, apontou o dedo cominador em direção ao balcão sem carne, mordeu os lábios inferiores e desapareceu. Esse aí é capaz de matar um por causa de um pedaço de carne – monologou Nino na sua típica fleuma.

De volta aos afazeres, abriu uma caixa recém-chegada e começou a mimosear uma porção de maçãs. Ele sorria para elas, e elas sorriam para ele – maçãs felizes – com carinhas e tudo o mais. Vocês vão fazer alguém muito feliz, comentou Nino admirando o rubor das maçãs.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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