Fim de um animal para o Natal

Ilustração: Jo Frederiks

Encontrou um animal atravessando um campo um mês antes do Natal. “Parece não ser de ninguém.” Com a ajuda de um amigo o colocou na carroceria e o levou embora. Aguardou uma semana e não soube de reclamação de desaparecimento.

Concluiu que era um belo presente de Natal. O amarrou no quintal e deu-lhe comida, água e permitiu que as crianças brincassem com ele. Duas semanas depois, já sentia-se confortável e ficava solto.

Seu remanso surpreendia. À noite, quando todo mundo entrava, continuava lá fora, num espaço confortável e coberto que permitia sua entrada e saída. Sem sono, olhava para os lados e para tudo. Às vezes era dominado por euforia.

Todos os dias recebia visita de outros animais que viviam no entorno e o observavam sem chegar tão perto. Mais tarde, as crianças vinham, o abraçavam e o acariciavam.

Quando os outros animais da casa ficavam enciumados, latiam e latiam até cansar. Aquilo não incomodava, sua expressão pouco mudava.

Mais comida chegava e mais água fresca. Comia com tanto apetite que todo mundo ria. Consumia água como se a boca fosse um sugadouro. Tudo sobre ele divertia quem ali vivia.

Então deitava e dormia, sentindo toque macio. Muitas vezes nem abriu os olhos quando recebeu visita. Estava bem nutrido e não estranhava quem se aproximava.

Mas a euforia da madrugada desapareceu, restando somente calmaria. Ainda recebia outros animais da região de madrugada, que o olhavam de fora da propriedade. Ele já não saía do lugar.

Numa manhã o penduraram e viu tudo virado. O que significava aquilo num mundo, de súbito, transformado? Sentiu a lâmina que substituiu o afago. Gemeu, berrou, sangrou.

Não sorriam mais para ele, não havia mais comida para ele – nem vida para ele. Mas no Natal muitas pessoas vieram por ele porque já não era ele.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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